sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Editoria Jornalismo na Correnteza

O Globo "descobre" a Conferência de Comunicação
Ana Lucia Vaz

Boa notícia! O jornal O Globo publicou, dia 19 de novembro, matéria sobre a Conferência Nacional de Comunicação ("PT defende controle público e sanções à imprensa" p.15). A Conferência está sendo preparada há pelo menos um ano, mas essa foi a primeira matéria do jornal que cita o evento. Houve muitas reuniões preparatórias, os delegados já foram eleitos nas conferências municipais e estaduais e a Conferência Nacional vai acontecer entre 14 e 17 de dezembro.
Em agosto, as Organizações Globo lideraram a retirada de seis das oito entidades que representam as redes privadas de comunicação da comissão de organização da Conferência. Nos seus veículos de "informação", silêncio absoluto. A Conferência Nacional vai discutir as diretrizes que devem nortear a regulamentação da comunicação no país. Mas O Globo sonegou, até hoje, essa informação a seus leitores, ouvintes e telespectadores.
A estratégica da Rede Globo de ignorar o que não quer que aconteça, na expectativa de reduzir a realidade ao seu desejo, é velha. Foi o que fez, nos anos 80, durante a campanha Diretas Já, por exemplo. Na época, a Globo só desistiu de ignorar a campanha depois de mais de um milhão de brasileiros irem às ruas ignorando o silêncio da Globo.
A boa notícia é que, nos anos 2000, parece que a estratégia da omissão está se tornando menos eficaz. Não vou me aventurar a analisar porque. O oceano de veículos de informação alternativos deve ter alguma coisa a ver com isso. O distanciamento entre os interesses da mídia empresarial e do governo federal e o consequente investimento do governo na mídia estatal também. Mas o que mais importa é que O Globo teve que falar na Conferência da qual não está participando por opção!
Se decidiu entrar no debate, contribuindo para a divulgação do evento, é porque já não acredita na possibilidade de esvaziar a Conferência pela invisibilidade. O que aconteceu para O Globo afrouxar a rédea curta da censura interna e liberar a informação?
Não sei, porque o fato novo - aquele que deveria ser o mote de qualquer notícia jornalística – não aparece na matéria. A reportagem (que também pode ser lida na internet em
oglobo.globo.com/pais/mat/2009/11/18/pt-defende-controle-publico-sancoes-imprensa-914829658.asp) trata exclusivamente de documento aprovado no dia 17 de setembro, pelo Partido dos Trabalhadores . Ou seja, é assunto velho. O que fez ela sair agora tem a ver com questões políticas que continuam sendo omitidas pelo veículo "de informação".
A notícia do jornal é ruim. Daquelas em que dá quase para adivinhar o jornalista sendo engolido pela imposição da linha editorial do veículo. O título (em geral feito por um editor ou redator) fala do PT, não da Conferência, que deveria ser o mais importante. Na linha fina, o documento do PT continua no centro e a Conferência é reduzida a uma "conferência do governo".
Em toda a matéria, o nome da Conferência Nacional de Comunicação só aparece uma vez, entre parênteses, para explicar o título do documento petista. Ainda assim, o texto começa apresentando o conteúdo do documento de forma bastante objetiva. Mas se limita às declarações gerais do documento e não chega a citar nenhuma das 51 propostas apresentadas pelo documento.
Antes disso, entra um "especialista em comunicação" (o que é isso?) da Universidade de Navarra (Espanha! Claro, quem melhor para falar da comunicação no Brasil?) dizendo que as propostas do PT "preocupam". A quem? Aos espanhois? Não, à Opus Dei. Isso mesmo, o setor mais conservador da Igreja Católica foi quem criou a Universidade de Navarra. O especialista da matéria, Carlos Alberto Di Franco, da Opus Dei, foi o consultor para assuntos de comunicação do governo Alckmin, do PSDB. Que coincidência, né?
Daí em diante a matéria se perde no mais banal discurso doutrinário sobre "controle ideológico" da comunicação, "visão autoritária, centralizada e antidemocrática" e, para não esquecer os inimigos, uma comparação com Venezuela e Argentina. Termina, deseperada, citando o discurso do Lula para os catadores de lixo, para mostrar que o presidente "não tem poupado ataques à imprensa".
Sinais de histeria. Dá para entender. Agora, a Globo e a maioria das redes privadas (com exceção de Rede TV! e Band que não seguiram a Globo e continuaram na Conferência ) vão ter que correr atrás do prejuízo tentando interferir de fora ou melar o resultado depois. Mais um desgaste para a conta da maior rede de comunicação do país que vem dando repetidas demonstrações de incapacidade para se relacionar com a democracia.
Estaremos numa democracia bem melhor quando, em vez destes artifícios mesquinhos de ocultamento e boicote, a "maior emissora do Brasil" for capaz de participar do debate democrático, alimentá-lo e utilizar todos os seus recursos para defender aberta e honestamente suas posições. Esse dia há de chegar! Há muitos bons profissionais na Globo, capazes de enfrentar as adversidades e, mesmo que muito letamente, empurrar seu jornalismo para uma prática digna e democrática.

*Ana Lucia Vaz, jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net/), professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.

Um comentário:

  1. Excelente análise. A CONFECOM é um marco importante para o avanço da Politica Publica de Comunicação, uma conquista dos movimentos sociais que lutam pelo reconhecimento do direito humano à comunicação. A GLOBO é um des-serviço à democracia, viola o nosso direito de conhecer a realidade e transformá-la, cria versões para fatos. Vamos à CONFECOM defender a democratização na comunicação e mostrar nossa força. Parabéns pela visão crítica desta mídia hipócrita!

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