domingo, 29 de novembro de 2009

Editoria Web@Tecno

Internet – O « direito ao esquecimento »


Com um sugestivo título « Lembre-se de me esquecer», foi publicado em 12 de novembro uma matéria no jornal francês Libération acerca de um projeto de lei que versa sobre o direito à proteção do anonimato dos internautas na França. Trata-se de um projeto polêmico, para uns impraticável e condenado ao insucesso. No entanto, o tema é objeto do estudo e de medidas por parte da Secretaria de Economia Digital.

Prós e contras

O que está em jogo e inquieta internautas e algumas autoridades é o problema dos dados pessoais, que ficam disponibilizados por tempo indeterminado na rede e são objetos de uso diverso, como por exemplo malas diretas para campanhas de marketing. Os jovens seriam, de certa maneira, o segmento mais exposto, pois lançam informações na Net corajosa e muitas vezes irrefletidamente. O projeto em discussão preveria, assim, o direito a cada cidadão de suprimir seus dados pessoais, voluntariamente publicados ou captados à sua revelia, os quais possam comprometer a sua vida pessoal, social ou profissional. O reivindicado « direito ao esquecimento digital » consistiria na possibilidade de apagamento de dados, em circulação na Internet, relativos desde um processo judiciário até fotos da pessoa em questão em estado de nudez publicadas por um «ex» vingativo. Um simples endereço ou telefone disponível na rede pode, por exemplo, ser bastante inconveniente para uma celebridade, mas uma chance para um empresário.

A flexibilidade certamente deve orientar a matéria, porque os limites do que incomoda ou preocupa as pessoas não sao universais, mas variam, inclusive, de acordo com a idade, alertam especialistas em direito e comércio. O critério do que é « privado » não é objeto da mesma compreensão e sentimento aos 15 e aos 60 anos, donde a dificuldade de estabelecer uma « legislação global ». Por isso mesmo, a secretária de estado responsável prefere falar em « carta de compromisso ». Até o momento, não há nenhuma legislação na França que assegure o « direito ao esquecimento ». Em 1978, havia sido aprovada uma lei que tangencia o tema, chamada « Informática e liberdades », mas seu teor era sobretudo técnico e nada explícito quanto à duração da conservação de informações e dados.

Uma outra dificuldade de gerir e controlar os abusos tem a ver com o fato de que muitas vezes a pessoa que se sente lesada pertence a um país, enquanto o provedor está registrado em outro, logo não está sujeito às mesmas regras e legislação. Vê-se, portanto, que começa a aflorar a necessidade de parâmetros, mais que éticos, legais em escala internacional para orientar as práticas no Web-mundo, todavia impoõe-se, da mesma maneira, estruturas supranacionais com poder de arbitragem. Hannah Arendt, em seu estudo sobre As Origens do Totalitarismo, já havia se dado conta do vácuo jurídico e moral que se fazia no âmbito do cumprimento da legislação internacional, quando a operacionalização depende dos Estados-nações. Ela pensava na ocasião, em particular, nos refugiados, apátridas e párias, que, obrigados a fugir do país de origem, nem sempre encontravam asilo num outro, por questões de relações diplomáticas, políticas e econômicas entre os países envolvidos. Trata-se dos « filhos de ninguém », bastardos de sua própria cidadania civil e política. Hoje existe para dar conta de casos de lesa-humanidade o Tribunal Penal Internacional. Talvez se devesse pensar em algo equivalente, mas em escala menor, sobretudo de natureza administrativa e jurídica, para julgar e coibir os casos de abusos dos direitos individuais « digitais ».

Uma das propostas concretas para o problema dos dados pessoais seria considerar o endereço IP como uma informação privada, porém, alegam outros especialistas, que se trata de uma máquina e não de uma pessoa física. Outra proposta – inviável na prática – seria a de que os sites solicitassem a autorização do cliente, quando do uso de informações estocadas, mais o esclarecimento a respeito da finalidade da sua coleta. Outras avançam na direção de um sistema de labelização da segurança, em que se garantisse, ao mesmo tempo, que o internauta permaneceria anônimo e que poderia estar seguro disso; num outro nível, haveria um número atribuído ao internauta, uma espécie de certificado digital que provasse se tratar de um adulto; e por fim, uma identidade numérica que correspondesse exatamente à identidade civil.

A questão do anonimato é também objeto de controvérsias, sobretudo em tempos de redes internacionais de pedofilia, no entant pode ser considerada uma retaguarda por parte daqueles que dele se utilizam como estratégia de resistência e combate contra ditaturas ou a limitações do direito de livre expressão.

Dever de memória

Caberia aos historiadores se manifestar a respeito, pois o trabalho deles pressupõe o direito à informação arquivada. Então, pode-se alegar em contrapartida do direito ao esquecimento o dever de memória. Há quem veja, por sua vez, nessa valorização da memória a mistificação do passado para fugir ao presente, desviando-se do futuro. De outro ângulo, o recurso permanente à memória conduziria a um « presente eterno », acabando com a consciência histórica. Por fim, há os que simplesmente recomendam, como maior e melhor defesa dos direitos individuais, um uso prudente da Internet.

Mione Sales é assistente social, professora (FSS/Uerj), doutora em Sociologia e graduada em Literatura Comparada. E-mail: mionesales@gmail.com 

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