terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

Adeus a Daniel Bensaid - o irredutível



“Le révolutionnaire est un homme de doute opposé à l¹homme de foi,
un individu qui parie sur les incertitudes du siècle,
et qui met une énergie absolue au service de certitudes relatives »*.
D. B.

« La force de l¹indignation traverse, comme un souffle inspiré, tous ces écrits »**.
Michel Lowy

O público universitário e os assistentes sociais brasileiros, à exceção dos setores mais engajados à esquerda e aqueles ligados às correntes da IV Internacional, tem vagamente uma ideia de quem foi Daniel Bensaid. Para quem não conhece, trata-se de um intelectual francês, falecido no último 12 de janeiro, o qual teve um papel de proa nos eventos de Maio de 1968, em Paris. Além de fundador e militante por muitos anos da Liga Comunista Revolucionária (LCR) e do recém-criado NPA – Novo Partido Anticapitalista, Bensaid era filósofo e professor na Universidade Paris 8. As homenagens dos que privaram da sua companhia e camaradagem política, e mesmo dos que o conheceram à distância continuam a se suceder na França, dando uma dimensão da grandeza e imensa generosidade política e humana desse intelectual que investiu na renovação do marxismo e na ruptura com o dogmatismo.

Pessoalmente, tive a oportunidade de entrevistá-lo no ano de 2008 para a revista Em Pauta, da Faculdade de Serviço Social da Uerj, em seu número 21, tendo em vista um dossiê especial sobre Maio de 68. Surpreendeu-me na ocasião a sua pronta disponibilidade, cultura geral, mais a rica palheta de temas que abordou em resposta às questões postas, com uma visão extremamente rica da América Latina e conhecedora de autores e personagens que fizeram e ainda fazem a nossa história. Não se trata ali apenas de uma entrevista, mas de uma aula de « geopolítica de esquerda », inspirada na irreverência, resistência social e fermentação utópica dos que participaram das barricadas estudantis parisienses. Compartilho com os leitores do blog Mídia e Questão Social algumas das melhores passagens dessa longa entrevista, em que se pode vislumbrar a figura humana, o crítico e o militante irredutível, Daniel Bensaid.

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[Trechos] Maio de 68: uma página na história mundial de lutas - ENTREVISTA COM DANIEL BENSAID



                                                                                                                                                                                                                                                                 
Cartaz de maio de 1968 (França)                             [D. Bensaid é o de casaco branco]

Entrevista e tradução
Mione Apolinario Sales

(Paris, 02/06/2008)

EM Pauta - Maio 68 começou, de fato, no mês de março na Universidade de Nanterre. Prof. Bensaid, você, junto com outros estudantes, desafiaram ali as autoridades universitárias. Ao que vocês disseram « não »?

Daniel Bensaid - Dissemos « não », na realidade, a muitas coisas. A cronologia, porém, da deflagração de um acontecimento como Maio de 68 constitui uma questão um tanto quanto enigmática. Pode-se falar no 22 de março, mas, de certa maneira, o processo começou antes, durante todo o ano que precedeu o início do movimento, a explosão de 22 de março, o 10 de maio, as barricadas, o 17 de maio, a greve geral, etc. Vê-se, ao longo de 1967, o surgimento de diferentes elementos que vão se reunir em 68

Primeiramente, dissemos « não » à guerra colonial e à guerra imperialista. O movimento de solidariedade e contra a guerra do Vietnã foi desencadeado, na França, por exemplo, após a guerra da Argélia. Trata-se, portanto, de uma geração que começou a se formar no movimento contra a guerra da Argélia [A guerra pela independência da Argélia envolveu um período de lutas entre 1954 e 1962, levadas a cabo pela FLN/Frente Nacional de Libertação, contra a colonização francesa do país, desde 1830]. Assim, durante todo o princípio dos anos 60, lutou-se contra a guerra do Vietnã. No Campus de Nanterre, havia algumas dezenas ou uma pequena centena de estudantes bastante ativos, principalmente o pequeno grupo anarquista em torno de Cohen-Bendit e nós, que estávamos na Juventude Comunista Revolucionária (JCR), depois de termos sido expulsos do Partido Comunista em 1966.

No começo de fevereiro de 68, fomos todos à manifestação internacional de Berlim a favor do Vietnã. Hoje tornaram-se quase banais as manifestações européias. Há fóruns sociais, entre outros. Na época, foi um evento duplamente simbólico: por ser uma manifestação européia – visto que não havia muitas - sobre o Vietnã e em Berlim, que era a cidade entre a Europa Oriental e Europa Ocidental. Berlim era a vitrine do Ocidente em relação à Europa do Leste. Havia ali, então, toda uma concentração de símbolos nesta manifestação em Berlim, de onde voltamos bastante entusiasmados e dinâmicos. Isto certamente preparou-nos moralmente e teve, sem nenhuma dúvida, um papel na preparação subjetiva da explosão que se produziu em março.

Em segundo lugar, a razão mais imediata foi um protesto contra o que se tornou a universidade, o que se passou um pouco por toda parte nos anos sessenta, quer dizer, a passagem de uma universidade de elite, de reprodução das elites dominantes, para uma universidade de massa, com uma massificação notadamente dos estudos em Ciências Sociais: Sociologia, Psicologia, etc. Há um romance muito famoso na França – não sei se ele era conhecido, no Brasil, nessa época -, que se chama As Coisas, de Georges Perec (1936-1982) [Ainda sem tradução no Brasil, Les Choses. Une histoire des années soixante, foi publicado originalmente pelas edições Julliard.]. O romance apareceu três anos antes, em 1965. Os personagens são justamente estudantes de Sociologia que começam a fazer marketing, pesquisa de opinião sobre o consumo. Eles mesmos acham-se fascinados pelos objetos e mercadorias. Havia, então, uma crítica muito forte e ativa durante todo o o ano de 67 e também de 68 contra as reformas universitárias, e em particular nas universidades de Filosofia e Ciências Humanas, havia a recusa de se tornarem « engenheiros » ou cães de guarda da sociedade de consumo. Les Chiens de Garde era o título de um ensaio de Paul Nizan - colega de estudos de Jean-Paul Sartre, mas muito mais engajado que Sartre na época -, o qual havia feito nos anos 30 este livro que é um panfleto bastante duro contra os « mandarins » da hierarquia universitária. Havia, portanto, em 68, toda uma crítica da universidade. Dava-se, nesse sentido, ênfase também na questão da sexualidade e na composição mista da universidade, como parte da crítica de transformação da universidade.

Nanterre foi um dos primeiros campus fora da cidade, ali onde antes era praticamente um terreno vazio. Levava-se muito tempo para chegar à Nanterre. Havia aí um outro simbolismo também: a universidade foi construída no meio de favelas de trabalhadores argelinos, de onde partiram as manifestações contra a guerra da Argélia e em apoio à independência do seu país, as quais tiveram cem mortos em Paris em 1961. Este tipo de campus hoje se generalizou, mas, naquela época, foi um dos primeiros a ter estas características de um pólo universitário fora da cidade, onde os estudantes não iam somente para estudar. Era um lugar de vida. Passávamos ali o dia inteiro. Todas as reivindicações relativas à questão universitária, aos problemas de formação, e ainda sobre a vida cotidiana e a sexualidade encontravam-se lá.

E por fim, como último elemento que participou da explosão de 68, houve uma multiplicação de greves operárias durante todo o ano de 67 – e isto era novo na França, após um longo período em que o movimento operário tinha estado bem pouco ativo -, notadamente nas indústrias automobilísticas e não nos centros industriais habituais, mas em Caen, numa pequena cidade que se chama Redon, em Besançon ou Le Mans, cidades do interior. Havia lá novas implantações industriais, no ramo da indústria automobilística em particular, com uma classe operária jovem que vinha do campo ali próximo, a qual travou lutas bastante duras, com quase insurreições e revoltas operárias no outono de 67. Assim, sempre houve na universidade de Nanterre uma atividade de solidariedade, como recolher dinheiro, por exemplo, para todas essas lutas operárias. Pode-se dizer, então, que o acontecimento começa em março de 68, mas como resultado de todo um ano de fermentação.

EM Pauta - Maio de 68, como você disse, começou em 1967 com as manifestações mundiais contra a guerra do Vietnã qui se prolongaram no ano seguinte. O líder Martin Luther King, na época travava também seu combate nos Estados Unidos pelos direitos civis, em especial aqueles dos negros. Sua arma era a não-violência. Qual foi o lugar do pacifismo nas reivindicações de 68 ? Que crítica vinha atrás desta bandeira ? Que modelos eram atingidos?

Daniel Bensaid - É sempre difícil interpretar o estado de espírito de um movimento de dez milhões de operários, de dois milhões de estudantes secundaristas. No setor militante e ativo do movimento, a cultura não era nada pacifista. Pelo contrário. Havia um grande respeito por Martin Luther King, mas a referência era muito mais Malcolm-X, os Panteras Negras [Partido Revolucionário Americano, Black Panther Party (BPP), fundado em outubro de 1966 para a auto-defesa da população negra contra a brutalidade policial nos guetos dos EUA. Era um dos grupos que, nos anos 60, preconizavam o Black Power], etc. No mais, tínhamos saído da guerra da Argélia, tendo apoiado a luta armada dos Argelinos. Havia um enorme prestígio simbólico da figura de Guevara. Se relermos um dos textos que, na época, estavam entre os mais importantes para nós, O discurso sobre a Africa Intercontinental [Ernesto Che Guevara: Pasajes de la guerra revolucionaria: Congo, Grijalbo Mondadori, México, 1999], se olharmos os cartazes que fizemos para a manifestação de Berlim, são cartazes cubanos. Há sobretudo uma mitologia da luta armada e das armas na esquerda radical e militante, com a ideia de que a violência é liberadora e inocente. A violência foi, inclusive entre os intelectuais, fortemente legitimada por Sartre, notadamente no seu « Prefácio » ao livro de Franz Fanon, Os Condenados da Terra. Franz Fanon, um autor, psiquiatra, negro e militante, das Antilhas francesas, que também tinha ensinado no serviço da revolução argelina, era, na época, um dos porta-vozes da revolta do Terceiro-Mundo de grande prestígio. Seu livro é um apelo à revolta, inclusive, à revolta armada. O « Prefácio » de Sartre no texto de Fanon é uma apologia da violência como violência liberadora.

Hoje isto chocaria muitos pacifistas e militantes dos direitos humanos por razões que compreendo. Hoje vivemos num mundo hiperviolento. Demo-nos conta sobretudo com a crise entre o Camboja e o Vietnã em 1976-77. A violência pode ter também uma lógica própria que escapa às melhores intenções do mundo, com efeitos totalmente perversos e incontroláveis; em segundo lugar, há o sentimento de que a violência hoje é tão enormemente assimétrica que não pode haver enfrentamento em igualdade de condições. Os Vietnamitas podiam ainda lutar contra o Império americano com um pedaço de madeira cheio de pregos, do estilo arma artesanal contra o computador, mas quando se vê a guerra do Iraque e as armas de destruição massiva, pergunta-se: ainda é possível? A violência coloca muitos problemas hoje, mesmo para a esquerda radical, mas, na época, toda a parte militante do movimento aderia muito mais ao modelo Guevara-Ho-Chi-Minh. Ademais, o que se gritava nas manifestações era a liberação pelas armas muito mais que a não-violência. Hoje, o debate é certamente muito mais complicado, face à cultura dos Fóruns Sociais, etc. Eu mesmo me tornei alguém não-violento, mais preocupado com a lógica dos perigos que pode ter a violência, mesmo uma violência à esquerda com as melhores intenções. Todavia, ao mesmo tempo, vive-se numa sociedade ultra-violenta, e a violência dos oprimidos é, antes de tudo, uma legítima defesa.

EM Pauta - Dizia um outro cartaz : « Não nos atrasemos para o espetáculo da contestação mas passemos à contestação do espetáculo ». Os estudantes na França se manifestavam contra a sociedade de consumo, os costumes e denunciavam, desde o famoso ensaio de Guy Débord, publicado em 1967, a «sociedade do espetáculo». Os EUA eram assim, novamente, um dos alvos da atitude cultural e política crítica dos estudantes. Neste sentido, Maio de 68 tornou-se um símbolo mundial da denúncia de um mal-estar da civilização?

Daniel Bensaid - Sim, seguramente, é um símbolo disto. O que se passa de interessante na França este ano pelo quadragésimo aniversário e que é novo, com relação ao trigésimo e ao vigésimo aniversário é a importância acordada à dimensão internacional de 68. Houve a greve geral na França, mas insiste-se muito mais hoje, do que há dez ou vinte anos atrás, sobre o Vietnã, a Tchecoslováquia, o México. Tornou-se, portanto, um evento mundial e global. Talvez depois que o mundo se globalizou, tomamos consciência de que haviam elementos que se reproduziram em escala mundial. Adquiriu-se a coincidência que em 68 passa-se o assassinato de Martin Luther King, um ano antes o assassinato de Guevara, a batalha no Vietnã, a Primavera de Praga. Enfim, alguma coisa foi possível ou pareceu ser possível durante aquele momento que era mundial.

Foi também efetivamente uma resposta a um profundo mal-estar na civilização, que é o resultado do crescimento e da revolução tecnológica após a Segunda Guerra Mundial, que se traduz ainda pelo que já evoquei: a transformação da universidade, a mudança da organização do trabalho, a massificação do proletariado, a generalização do Estado de Bem-Estar - o Estado Social Keynesiano -, logo do consumo, posto que um dos princípios deste último é a distribução de salários, donde a mudança do tipo de consumo, a aparição do eletrodoméstico nos lares, a generalização do automóvel, o começo da televisão, etc. Tudo o que Kristin Ross - que é americana - descreve muito bem, à propósito da França, no livro, traduzido em francês, Lave mais rápido, Lave mais branco, um slogan publicitário da época. Os personagens do romance de Perec, sobre o qual falei ainda há pouco, estão em pleno início do marketing. Tudo isto pode ser encontrado também nos filmes de Godard e, antes de Débord, no livro de Marcuse de 1964, O Homem Unidimensional. É uma tomada de consciência geral.

É preciso dizer que se costuma interpretar muitas vezes a categoria sociedade do espetáculo de Débord, de maneira frágil, como apenas uma crítica da sociedade da imagem, mas Débord não se resume a isto. A imagem faz parte, sem dúvida, do processo, mas trata-se sobretudo do estado supremo do fetichismo da mercadoria. O próprio Débord disse que fez uma escolha por uma técnica de escrita de citações escondidas, embutidas, que não são evidentemente plágio ou montagem de textos, mas sendo sua análise integrada por passagens inteiras de Marx. O espetáculo é, efetivamente, constituído pelo mundo das mercadorias.

Ademais, a crítica da sociedade de consumo foi um dos elementos da pauta do movimento estudantil em Nanterre. Foram distribuídos panfletos, em 1967, que criticavam notadamente o papel dos sociólogos ou o papel dos psicólogos no trabalho de marketing. Por trás da crítica da sociedade de consumo, começou, portanto, a emergir o que se tornou uma crítica da ecologia: a ecologia crítica (os malefícios do produtivismo, as modificações da cidade, etc.). Tudo isso é muito importante. Marcuse e, talvez, Débord sejam mais conhecidos hoje mundialmente. Débord foi diretamente inspirado por Henri Lefebvre, que foi meu professor, aliás, em Nanterre. Lefebvre publicou A Crítica da Vida Cotidiana em 1961. Foi, de fato, toda uma tomada de consciência da alienação do trabalho, por isto todos vão se reencontrar na greve. A greve de 68 possui todas as reivindicações habituais de aumento de salários, mas é a primeira vez - em comparação com grandes greves de 1936 ou 45, já citadas no caso da França, e que até então eram a referência - que a crítica à alienação do trabalho, às condições de trabalho, do trabalho ele mesmo, adquire importância, como resposta ao Taylorismo, ao trabalho em cadeia, etc. Estava-se numa nova etapa do capitalismo, logo atingia-se uma nova consciência dos seus estragos e, portanto, do mal-estar da civilização, que é uma das suas consequências.

EM Pauta - « Beije seu amor sem largar o fuzil! ». Como a sua geração via, naquele momento, o papel da América Latina com relação à « realidade do desejo » da revolução? As ditaduras ali prevaleciam.

A América Latina era, para nós, uma referência forte. Existia, na França, uma grande simpatia, primeiramente, pela revolução cubana. Todas as iniciativas, na época, em torno da Tricontinental, da OLAS [Organização Latino-Americana de Solidariedade, criada em janeiro de 1966, na Conferência Tricontinental, em Havana], as exposições de pinturas, entre outras, fizeram com que os intelectuais de esquerda que tinham adquirido prestígio notadamente na denúncia da guerra da Argélia – o mais significativo é Sartre, mas também André Breton, da corrente surrealista, o qual morreu em 1965; no cinema, Armand Gatis et Chris Marquer, cineastas militantes de 68 - tivessem uma relação de simpatia e de apoio muito forte para com a Revolução Cubana e a Liga de Libertação de Cuba. Em segundo lugar, Cuba aparecia, principalmente, através dos textos de Guevara, « O Socialismo e o Homem » e « O Discurso de Argel », como uma crítica do socialismo burocrático do Leste e as ilusões sobre o exemplo. Tentávamos escapar ao controle e sobretudo ao conflito sino-soviético, à rivalidade e à polêmica entre a União Soviética e a China. O que, ademais, é dito na carta de Che, a Tricontinental [« Mensagem aos Povos do Mundo Através da Tricontinental »,1967], notadamente quanto ao Vietnã, onde se desenrolava uma espécie de guerra fratricida, em que vietnamitas e o povo da Indochina pagavam as consequências. Procurávamos, então, em torno de Cuba uma terceira via. Os cubanos tomaram iniciativas de encontro aos coreanos e vietnamitas, publicando, na época, textos no Gramma - jornal que líamos regularmente. Parecia, assim, começar ali uma terceira via, nem pró-chinesa nem pró-soviética até a “Zafra” de 1967 [Grande mobilização de massa pela elevação da produção de açúcar em Cuba, por dentro dos acordos de cooperação econômica com a URSS, a qual ganhou contornos de evento político pela independência financeira da Ilha. A colheita aumentará, mas não será suficiente para impulsionar a indústria. O atrelamento à URSS vai, portanto, persistir] e a morte do Che, que marcará uma mudança. Tudo isto tinha criado uma relação particular da França e mais amplamente da Europa com a América Latina. Pela identificação com Cuba, o nacionalismo basco, de tradição histórica, por exemplo, tornou-se socialista e se aliou ao movimento operário na luta contra a ditadura na Espanha.

Era esse o estado de espírito em 67, antecipando cronologicamente o que um ano mais tarde se consagrará como Maio de 68. Projetávamos nos « cineclubes » filmes como « Açúcar Amargo » [“Sucre Amer”, do cineasta Yann Le Masson (France, 1963)] ou “Cuba si!”de Chris Marquer; e de Armand Gatti, um filme sobre Cuba que quase não se acha mais, «El Otro Cristobal », de 1962. Era, enfim, uma referência muito forte na esquerda radical e mais amplamente entre os intelectuais de esquerda na França.

A Conferência da OLAS, em 1967, foi um pouco o auge deste movimento de simpatia. Nosso primeiro grande encontro público, depois de termos sido expulsos do PC [Partido Comunista Francês], contou justamente com a presença de pessoas que vinham da Conferência da OLAS, que falavam de Cuba, do que se passou, de solidariedade, dos povos do Terceiro-Mundo, etc. Na França, houve o rapto de Ben Barka em 1965, no momento que ele estava justamente preparando a Conferência da OLAS. Logo após, na França, a partir de 68, começamos a nos vincular à corrente trotskista internacional. Não foi, portanto, somente uma referência e solidariedade à América Latina. Tivemos relações muito estreitas com os argentinos e bolivianos. Com estes, a questão era como continuar o projeto do Che na Bolívia, depois de sua morte. Havia um laço mais que forte, primeiro, com a Argentina e o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores) - em particular, com Moreno -, visto que nos encontrávamos na mesma corrente internacional, e depois com camaradas latino-americanos que estavam exilados em Paris. Havia notadamente um pequeno grupo de exilados brasileiros - Emir Sader, Flavio Koutzi e Paulo Paranaguá –, os quais, mais tarde, partiram para a Argentina. Não se tratava, portanto, de algo exótico, mas de laços muito fortes com o MIR chileno [Movimiento de Izquierda Revolucionaria], por exemplo, que possuía uma história um pouco comparável à nossa, isto é, de referência guevarista, um pouco trotskista, influenciado intelectualmente por Luis Vitale. Sentimo-nos, portanto, imediatamente solidários.

Enviávamos, por vezes, militantes e garantíamos um apoio, pelo menos logístico, nas lutas contra a ditadura na Argentina e na Bolívia. No Brasil, a primeira experiência foi desastrosa: o primeiro militante que havia sido formado aqui, na Liga, Luís Eduardo Merlino, foi preso e assassinado no dia do seu retorno, quando a ideia era que os militantes retornariam na clandestinidade. Os outros, ao invés de voltarem diretamente para o Brasil, partiram para a Argentina, a fim de se formar antes de retornar para lá. Mas depois a história foi um pouco diferente.

[Leia a íntegra da entrevista na Revista Em Pauta, N° 21, que você pode adquirir entrando em contato com a Faculdade de Serviço Social da Uerj, pelo e-mail fss@uerj.br]

Veja ainda:

http://www.youtube.com/watch?v=_fh3nh4qbuQ (entrevista com D. Bensaid em português)

Confira:

Uma bela homenagem de Michael Lowy a D. Bensaid. http://www.rezocitoyen.org/spip.php?article8014 (em francês)

Tradução das citações em francês

* « O revolucionário é um homem que não teme a dúvida, contrariamente ao homem de fé; ele é o indivíduo que aposta nas incertezas do século, e que põe uma energia absoluta a serviço das certezas relativas ». (D. B.)

** « A força da indignação atravessa, como um sopro de inspiração, todos os seus escritos ». (M. L.)


Mione Apolinario Sales – mestre em Serviço Social e doutora em Sociologia, é professora da FSS/Uerj. Contato: mionesales@gmail.com.

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