quarta-feira, 3 de março de 2010

Editoria Efeito Quixote

Ações afirmativas: Uma discussão muito além das cotas...


Leandro Rocha


Nos dias 3 a 5 de março deste ano será realizada em Brasília uma audiência pública para discussão das políticas de ação afirmativa de reserva de vagas no ensino superior brasileiro. O assunto é polêmico e de extrema importância quando se analisam seus impactos socioculturais e econômicos, merecendo não só um olhar apurado, como também uma postura que não perca o foco na defesa dos direitos humanos.

Como o próprio nome já diz, esta audiência terá como objetivo a discussão específica sobre a questão da reserva de vagas no ensino superior, coloquialmente conhecida como “política de cotas”. No entanto, é impossível discutir esta questão sem retomar o conceito de ações afirmativas, bem como o papel das “cotas” neste contexto.

Qual seria definição correta para o termo “ações afirmativas”? O que na verdade seriam tais ações? As ações afirmativas na verdade são medidas especiais e temporárias cujo objetivo é superar desigualdades historicamente presentes na sociedade. Desta forma, o que se pretende com a adoção de dessas ações é a garantia de oportunidades a todos aqueles que, numa sociedade capitalista e segmentária, encontram dificuldades no acesso a seus direitos, quer seja por motivos étnicos, religiosos, de gênero, entre outros.


Levando em consideração o desenvolvimento histórico do nosso país, não é difícil perceber que a adoção de medidas deste tipo é mais do que necessária, uma vez que, desde o início de nosso processo de colonização, podemos observar a negação de direitos a determinados segmentos de nossa população. A dizimação da população e da cultura indígena, o processo de exploração da população negra como mão de obra escrava e sua “abolição” desvinculada de medidas que lhe garantisse condições básicas e dignas de sobrevivência, a dificuldade de inserção laboral de pessoas com deficiência... São tantos os exemplos que passaríamos horas apenas listando... Isso se não empreendêssemos uma análise mais profunda de cada um deles...

Tendo em vista estas demandas, o Estado brasileiro tem se debruçado sobre a pesquisa de qual a melhor forma de garantir o acesso a estes direitos e o combate à discriminação que os cerceia junto a esses segmentos da população. Desde o início do processo de redemocratização (que culminou na superação do regime ditatorial militar brasileiro) até os dias atuais, muito se tem avançado: é possível observar a condução de diversas ações, programas e projetos que visam à valorização da nossa multifacetada cultura nacional em suas várias expressões e a busca pela garantia de que a sociedade como um todo, tenha acesso a seus direitos.

A adoção do sistema de reserva de vagas no ensino superior faz parte das medidas adotadas pelo Estado brasileiro com o intuito de possibilitar que um maior número de pessoas pertencente aos estratos menos abastados da sociedade tenha garantido o acesso ao ensino superior público e de qualidade.

A experiência da reserva de vagas foi iniciada no Brasil em 2000, quando a aprovação da lei estadual 3524/00 garantiu a reserva de 50% das vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro para estudantes oriundos da rede pública municipal e estadual. Na seqüência vieram as demais modalidades, dentre elas, a reserva de vagas para candidatos afrodescendentes (negros ou pardos).


Dentre as modalidades adotadas, a reserva de vagas para candidatos negros é, sem sombra de dúvidas, a que ganhou maior evidência na mídia. Tanto pela ação de entidades da sociedade civil no sentido de sua aprovação, quanto pelas opiniões controversas de profissionais de diversas áreas e estudantes sobre a mesma.

Os contrários ao sistema de reserva de vagas afirmam que este perpetua o apartheid existente na sociedade brasileira e que os critérios para obtenção de uma vaga como afrodescentende são extremamente subjetivos e, por isto, passíveis de falhas (esta argumentação é embasada na maioria das vezes com a citação do caso dos irmãos gêmeos idênticos que se candidataram a vagas pelo sistema de reservas e foram classificados de forma distinta, sendo um considerado negro e o outro não).

Há também os que acreditem que a reserva de vagas deveria ser direcionada apenas pelo recorte social, contemplando o segmento mais pauperizado da população, sem a análise do fenótipo do candidato. Seus defensores afirmam ainda que este modelo permaneceria contemplando uma maioria de negros e pardos constituintes dos estratos menos abastados da sociedade.

O inegável é a necessidade de que ações sejam tomadas para garantir que a população tenha igual acesso a seus direitos, não apenas legalmente, como também efetivamente. Também não se pode negar que a adoção do sistema de reserva de vagas tem possibilitado a formação de um número expressivo de profissionais de nível superior com uma visão diferenciada, adquirida através da troca de experiências entre um número maior de pessoas de estratos sociais diversos.

No entanto não podemos esquecer nem por um instante que as ações afirmativas, como dito no início deste texto, devem ter o caráter provisório, ou seja, é necessário que pensemos em como melhorar as condições de acesso da população ao ensino superior em longo prazo. Para tal é necessária a compreensão de que precisamos superar a precarização do ensino público e investir numa formação qualificada desde a base, no ensino fundamental.

Enfim, esta não uma disputa entre etnias! Na verdade esta é uma luta pela melhoria não só do acesso, mas também da qualidade do ensino público em nosso país. É a luta por um projeto político de inclusão que vá de encontro a uma lógica individualista, neoliberalista e excludente que tem prevalecido em nossa sociedade.


Saudações Quixotescas a todos!


Leandro Rocha, assistente e "insistente" social, pós-graduado em Psicologia Jurídica pela UCAM, integratne da Comissão de Comunicação e Cultura do CRESS-RJ. Contato: e-mail: leorochas@hotmail.com
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Para saber mais sobre a audiência:

O STF transmite ao vivo a audiência pública através do endereço eletrônico:
http://www.tvjustica.jus.br/assista_online.phpa .

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