sábado, 13 de março de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

E se o Ezequiel fosse meu filho?

Ana Lúcia Vaz


Contra qualquer texto que tente duvidar da satanização de Ezequiel, parece haver um argumento considerado indiscutível: “E se o João fosse o seu filho, você teria as mesmas opiniões?” No blog da Rede Nacional de Jornalistas Populares (www.renajorp.net) recebemos esse comentário. Continha esta única frase, como se ela se bastasse.




A tragédia de João Hélio é uma dessas histórias dramáticas com a qual todos nos sensibilizamos, querendo ou não. A mãe de Ezequiel chorou por João Hélio. A morte nos revolta, pela nossa impotência diante dela. A morte violenta de uma criança fere ainda mais fundo. Em vazios de outras perdas. E, entre os vários sentimentos que nos torturam, nos momentos de perda, um dos piores é a sensação de impotência diante da morte.

Esse sentimento comum nos permite sofrer em solidariedade à dor do outro, que reacende nossas próprias dores. Quando esta morte é causada por outra pessoa, podemos nos iludir, acreditando transformar a impotência em ódio e vingança. Continuamos impotentes, porque nenhuma punição reverte a morte ou ameniza a dor.

Prender, matar ou torturar Ezequiel não diminuiria o vazio que sofrem os pais de João Hélio. Então, tenta-se argumentar que a punição exemplar dos assassinos pode evitar outras mortes semelhantes. Essa lógica de controle social é tão velha quanto a humanidade e, se hoje não decapitamos, nem enforcamos, nem esquartejamos nossos criminosos em praça pública, é exatamente porque esses métodos se provaram pouco eficientes para melhorar a sociedade.

Então, à dor dos pais de João Hélio posso oferecer solidariedade, mas não solução. Também me solidarizo com a dor dos pais de Ezequiel. Que também não tem solução. Mas Ezequiel talvez tenha. Quem sabe? Ou talvez seja melhor perguntar primeiro: Quem quer?



Chico Otávio escreveu, terça-feira, dia 9, uma bela matéria no O Globo. Chama-se “A última chance de Ezequiel”. É uma daquelas matérias que, de vez em quando, nos incentiva a acreditar no jornalismo. Além de inteligente, a matéria é corajosa, principalmente se considerarmos o termômetro dos comentários postados, quase todos transbordando preconceitos violentos e desejos assassinos.

A avalanche de ódio desencadeada contra Ezequiel não nasce do desejo de achar solução para a violência. Ela nasce da necessidade de manifestar a própria agressividade. Por isso insistir em se colocar no lugar dos pais de João Hélio. Para tentar acreditar que há alguma nobreza em nossos impulsos assassinos.

O que compartilho com muitos que andam pedindo a cabeça de Ezequiel é o desejo de viver, um dia, numa sociedade que não precise assistir a barbáries semelhantes à sofrida por João Hélio. Independente da raça, da origem social, do credo ou da nacionalidade da vítima. Mas uma sociedade que realmente não deseja a barbárie, não pode se calar diante das chacinas no campo, nas favelas e nos presídios e indignar-se apenas quando um menino de classe média é atingido. Também não pode responder à barbárie com mais barbaridades.

Ezequiel não é o monstro que criou a violência urbana, nem é conseqüência dela. É apenas mais um jovem, como tantos outros, representando seu papel e fazendo algumas péssimas escolhas dentro do espaço estreito que lhe foi destinado pela sociedade. Sua mãe que o diga! Mais do que por João Hélio, ela chorou pelas escolhas do filho.



*Ana Lúcia Vaz,  jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net) , professora de jornalismo e terapeuta craniossacral. 
::::::::::::::::::::


Para ler a excelente reportagem de Chico Otávio, acesse:


http://oglobo.globo.com/blogs/logo/posts/2010/03/09/ezequiel-assassino-de-joao-helio-merece-uma-segunda-chance-272681.asp

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário e/ou impressão...