quarta-feira, 9 de junho de 2010

Editoria Web@Tecno

A comunicação em três momentos



Nelma Espíndola*


O mês de maio trouxe-me vários intercâmbios de conhecimentos. Fiquei muito contente com essa possibilidade que vivi e quero, de alguma forma, dividi-la com vocês. Minha agenda “bombou”, literalmente, coisa que nunca tinha acontecido.

Foram seis eventos dos quais participei, três ligados ao Serviço Social e outros três à área de comunicação social. Dois eventos de comunicação abordaram temas que estão nas agendas internacional e nacional: a sustentabilidade e a prevenção do suicídio. O último ligado à universidade.


Um pequeno flash de uma cobertura

Para que tenham uma ideia, farei um breve panorama sobre todos esses debates. O primeiro evento sobre comunicação que participei e sobre o qual falarei nesta Web@Tecno foi a X GAMACOM – A Semana de Comunicação da Universidade Gama Filho (Campus da Piedade), cujo tema foi “Comunicação, Ética e Sociedade”. De 18 a 21 de maio, a GAMACOM contou com a participação de nomes expressivos do jornalismo e da publicidade que trouxeram suas experiências aos estudantes.

O segundo evento foi o III Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, no Vivo Rio (Aterro do Flamengo), de 19 a 20 de maio. Seu objetivo foi promover a discussão sobre o conceito e prática de sustentabilidade entre os setores público, privado e a sociedade civil. Como norte, os quatro princípios da Carta da Terra: Democracia, Não Violência e Paz; Integridade Ecológica; Respeitar e Cuidar da Comunidade da Vida; e Justiça Social e Econômica.

Estiveram presentes, neste III Fórum, palestrantes nacionais e internacionais: Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz (1992) por sua campanha pelos direitos humanos, principalmente em favor dos indígenas; Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, o banco dos pobres e Prêmio Nobel da Paz (2006); o idealizador do projeto Clean Up Day, Rainer Nõlvak que, em agosto de 2007, com a participação de 50 mil voluntários limpou a Estônia em apenas um dia; o escritor Leonardo Boff; o rapper MV Bill; o jornalista André Trigueiro; o poeta GOG – Genival Oliveira Gonçalves; a pedagoga e fundadora da Casa do Zezinho Tia Dag; a médica e fundadora da Saúde Criança, ex- Renascer, Vera Cordeiro; o cantor e compositor Seu Jorge; e Ferrez, um dos mais respeitados escritores da atualidade, entre outros palestrantes.

O último evento aconteceu na Fiocruz, campus Manguinhos. Foi o Seminário “Suicídio na Imprensa: entre informação, prevenção e omissão”. Além de promover a reflexão sobre estratégias de prevenção, a abordagem do suicídio na mídia ou sua omissão teve como pano de fundo a promoção de saúde mental. Na coordenação dos debates o pesquisador, professor e médico Carlos Eduardo Estellita-Lins. Algumas presenças : Antonio Marinho (O Globo), Arthur Dapieve (PUC-Rio); Flávia Junqueira (jornal Extra); e Neury José Botega (Associação Brasileira de Psiquiatria / ABP), um dos mais proeminentes pesquisadores sobre o tema no país.

Cada um desses eventos, dentro de suas particularidades, trouxe-me questionamentos e reflexões. Pude, a partir daí, pensar sobre todos esses importantes temas. Procurarei, ao longo deste mês, expôr um pouco do que foi discutido aqui no Web@Tecno. São eventos que deixaram marcas nesse mês de maio de 2010 e cujos assuntos pautados têm vida longa. Certamente não fui a única a experimentar essa metamorfose.


Hoje, a X GAMACOM

   Da esquerda para direita Gabriela Mafort, Chico Otávio, Ricardo de Hollanda, Norman Roland e Vítor Iório
 

A semana de comunicação da Universidade Gama Filho começou com uma discussão sobre “Os cenários em comunicação, ética e informação”. A mesa foi composta pelo Prof. Ricardo de Hollanda, como mediador; Gabriela Mafort, editora e repórter especial do programa Conta Corrente da GloboNews; Chico Otávio, repórter especial do jornal O Globo; Prof. Norman Roland Madarsz, professor e coordenador do curso de pós-graduação em Filosofia da UGF e prof. Vítor Iório, jornalista e professor da UFRJ.
 
O debate foi iniciado pelo professor e filósofo Norman Roland Madaraz, que falou sobre a informação e seu conteúdo ético, após uma pequena provocação do mediador, prof. Ricardo de Hollanda, pois, segundo ele, filósofos e jornalistas pensam diferente sobre informação e ética. Deparei-me com essa primeira divergência, que procurei entender. Os jornalistas têm pouco tempo para expressarem uma informação, em função da estrutura de seu trabalho, desenvolvido em grande parte na esfera privada, cujo objetivo é a produção da informação dentro de uma linha editorial, paralalelamente à venda do espaço publicitário do veículo de comunicação.

Já os filósofos dispõem de um tempo maior para explicarem as informações e suas preocupações, com a ética adotada para a sua divulgação. De acordo com Norman Roland, portanto, na Antiguidade a informação era definida como “dar forma a algo”. Hoje ocultam-se determinadas informações, de acordo com os interesses das grandes empresas jornalísticas. E isso faz com que nos acomodemos a essa « pouca informação », que pensamos ser nossa, porém trata-se, de fato, apenas do acesso ao pouco que nos é permitido.

Para ele, “é importante conhecer a realidade de construção da produção da informação”. Sua preocupação tem como mote a concentração das empresas de comunicação em mãos de poucas famílias, no Brasil e no mundo. Citou como exemplo as Organizações Globo.

Roland abordou um tema muito polêmico – bastante discutido no livro Mídia, Questão Social e Serviço Social (2009)-, a saber : o de que haveria um contingente de “excluídos” da informação ou meros receptores, submissos às informações dos que têm o “direito de saber”. Sua tese, como já disse polêmica, é a de que não haveria chance ou esforço dessa « massa receptora » em aprofundar o conhecimento sobre o que é informado pelos meios de comunicação.

Roland traz uma definição do sociólogo francês Pierre Bourdieu* presente no livro Sobre a Televisão : o “monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela importante da população” é construído pela disputa de audiência dos vários veículos de comunicação. A ação informativa fica posta à distância, ou seja, há uma diferença entre informação e a verdade. A ficção ganha, então, espaço neste cenário jornalístico, com a justificativa de atrair mais o interesse da população.

E, finalizando chamou a atenção para a necessidade em se mostrar uma determinada realidade com a preocupação de informar e não apenas em lucrar com este produto. « Hoje existe uma submissão prazerosa diante da mídia”, disse, escudado em Bourdieu.

Houve, inclusive, uma complementação, do prof. Ricardo, que hoje a informação deve ser vista como um “redutor de incertezas”.

O repórter especial de O Globo, Chico Otávio, que segue a linha de jornalismo investigativo, discordou um pouco do professor Norman quanto à ética, acrescentando que o “tempo do jornalista e do filósofo aqui no Brasil é outro”. Destacou o avanço da internet na disseminação da informação, vendo-a como uma mudança “salutar”. A Era digital provocou essa disputa, fazendo com que as informações sejam mais democráticas. Segundo ele, houve resistência, a princípio, do conglomerado em que trabalha de lutar pela audiência através da internet. Hoje não há mais.

E como não poderia deixar de ser - quem acompanhou os debates no ano passado que culminaram na Conferência Nacional de Comunicação, conforme cobertura atenta da editoria Caleidoscópio Baiano, não se surpreenderia -, Chico Otávio condenou a criação de regras e iniciativas que queiram controlar a liberdade de expressão como um processo altamente antidemocrático.

Destacou a participação do leitor através do “Repórter Cidadão”, um espaço editorial no qual tem a possibilidade de produzir informação com peso quase igual ao do jornalista. Para exemplificar: o leitor se manifesta hoje em tempo real, ao solicitar uma informação ou ao exprimir uma denúncia. Há dez anos, a publicação de sua carta levaria dias ou nem teria a informação desejada. Hoje, a internet mudou essa situação, donde a nova modalidade de controle social que, segundo ele, é feita espontaneamente. Para situar o nosso leitor, esta é uma posição que segue o primado liberal da liberdade de imprensa norte-americana.

Sobre o jornalismo investigativo abriu alguns vieses: o jornalista não mais utiliza uma linguagem policial para fazer suas matérias; não anda mais armado como antigamente, porque, no passado, a sua cobertura de um caso investigativo era feita junto à polícia. Nem tão distante assim, o caso Tim Lopes é uma dolorosa lembrança acerca das controvérsias das estratégias contemporâneas do jornalismo investigativo, lhe faltou acrescentar.

Finalizando Chico Otávio disse que, “o jornalista precisa ser mais cuidadoso na elaboração de suas matérias; pensa, fala com mais cautela, pois o contrário disto pode implicar em processos judiciais.”


Por uma comunicação mais democrática : novas utopias e esperanças

Fazer uma abordagem sobre as relações com as “fontes” de informação ficou a cargo de Gabriela Mafort, da Editoria de Economia e Repórter Especial de programa Conta Corrente da GloboNews. Ela, inicialmente, contextualizou a linguagem do jornalismo na TV, que não é tão diferente da de um jornal impresso. Segue os mesmos conceitos: de respeito às fontes de informação e aos princípios do Código de Ética da profissão. Disse-nos que numa editoria de economia há duas realidades a serem apuradas: a do governo e a econômica. Nas questões relativas ao governo, isto significa acompanhar, “em curtas palavras”, o dia-a-dia. Na realidade econômica, as movimentações do mercado.

Frisou muito enfaticamente que, dentro de uma postura ética, o que é importante para um jornalista é nunca aceitar um “não” em relação a uma informação que busca. Penso que esta é uma posição que merecia maior debate, pois até onde deve ir o jornalista em busca da informação ? Qual o preço a ser pago pelo profissional ? Lembrei há pouco, inclusive, do trágico caso Tim Lopes. E quais seriam exatamente os direitos do cidadão digo, daquele que informa (fonte) e o que recebe a informação ? Quem define a linha que não pode nem deve ser ultrapassada ? Perguntas que ficaram no ar, mas que podem ser retomadas nos diversos debates aqui no blog.

Também destacou a importância de não se enviar antecipadamente perguntas a serem feitas numa entrevista. Sinalizou que, hoje, várias empresas de grande porte dispõem de assessoria de imprensa e que esta é uma prática que vem se tornando habitual. O que acontece é que dispondo das perguntas, o entrevistado pode respondê-las e publicá-las em seus blogs ou sítios, antes de sua veiculação nos jornais, como já aconteceu. Foi o caso da Petrobrás e do Jornal O Globo, citado posteriormente, pelo repórter Chico Otávio. Na época, inclusive, o Sindicato dos Jornalistas aqui do Rio de Janeiro foi consultado sobre esse fato. O testemunho de Gabriela Mafort alertou-nos, assim, quanto a algumas formas de coação ao jornalismo.

Depois, contou-nos um caso que experimentou de dificuldade de apuração de um fato, junto a um banco público. Destacou, portanto,de acordo com o Código de Ética dos Jornalistas, a importância de combater uma forma subreptícia de corrupção e suborno, através da não aceitação de « presentes », muitas vezes oferecidos.

Não se mostrou alheia à importância da internet nos dias de hoje, destacando a influência que a web tem exercido sobre as TVs, por meio da contribuição dos vídeos dos telespectadores, mostrando notícias. Exemplos recentes foram as chuvas de abril no Rio e anteriormente, o caso das Torres Gêmas, nos EUA.

Sobre o futuro, vê os profissionais de jornalismo brasileiros como profissionais independentes, como já acontece no exterior, onde o custo de seus trabalhos é pago pela sociedade civil. Para ela, num futuro bem próximo, cada jornalista terá o seu blog, seu site, associados entre si ou não.


O último a falar foi o professor Vítor Iório, professor da Escola de Comunicação Social da UFRJ.

Sua abordagem versou sobre a perspectiva de desconstrução e reconstrução de uma nova universidade, feita de novas escolas, novos estudantes e novos professores. Não se propôs a criticar a mídia, mas a falar da importância em não se criar “técnicos” e sim “profissionais” dentro da Ciência da Comunicação. Para ele, o jornalista, assim como outros profissionais que tenham um curso universitário, é um intelectual. Isto significa que as universidades não podem se transformar em “escolas técnicas”. É preciso, portanto, dentro da antropologia da comunicação, “auscultar” a sociedade, um processo realizado de maneira constante pelos profissionais de comunicação como ciência.

Segundo o professor Iório, “os jornalistas têm que obrigatoriamente ter uma formação ética, filosófica e científica na universidade, para depois aplicar todo esse saber (...) ou seja, informar a população, com dados verdadeiros, obtidos e construídos, à luz de toda essa sabedoria ”. A seu ver, todo jornalista é um comunicador. É importante que saiba ser multimídia, e assim, produzir áudio, vídeo e texto. Não considera ainda a não obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista como prejudicial às universidades.

Finalizou dizendo que um certo autor fala sobre o “espetáculo” feito pela imprensa. Não citou o nome, mas penso que seja Guy Debord. Frente a um mar de informações disponíveis, os produtores da notícia não conseguem utilizar nem 2% delas, ou seja, não se informa nada profundamante. Não há territorialização dos sujeitos, face à volúpia do consumo e do mercado, se pensarmos a sociedade contemporânea em termos hedonistas. As instituições que compõem nossas vidas, como família, os amigos, as escolas, as universidades, são desconstruídas, porque se tornam também desinformadas, visto que a visão do outro dá-se em geral a partir de situações banalizadas.

Faço agora um destaque que colhi na cobertura feita pela Rádio Gama, do Curso de Comunicação Social da Gama Filho, por Bárbara Rodrigues, a respeito do encerramento do evento neste primeiro dia, feito pelo professor Ricardo de Hollanda. Em pauta, a democratização da informação:

“ O jornalista como grande produtor de conhecimento não é apenas uma exclusividade da profissão. Hoje qualquer pessoa pode produzir seu próprio conteúdo e postar em blogs e sites facilitando a democratização da produção do conhecimento. O melhor de tudo isso, é que independente de ser jornalista ou não, todos podem produzir conteúdos verdadeiros de uma determinada realidade. Quem sabe dessa forma, a cobertura da cidade seja mais democrática, tirando o foco apenas da zona sul e mostrando, de fato, todas as realidades de nossa cidade.”

Por isso, cabe retomar Iório, quando fala que frente à « desconstrução da esperança », temos que enxergar e reagir de forma diferente. Temos que construir uma utopia, na qual possamos acreditar para poder transformá-la em realidade e assim, novas esperanças serão construídas.”
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* Nelma Espíndola é assistente social da Associação Saúde Criança Reagir e webmaster do Blog Mídia e Questão Social.

[Colaboração : Mione Sales e Ana Lucia Vaz articulistas do Blog Mídia e Questão Social]

Fonte de imagens : Blog GAMACOM
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Quem desejar saber mais sobre todo o evento, eis alguns links :

- No blog GAMACOM – http://gamacomugf.blogspot.com/.  Dias de publicações: 18 a 24/05/2010.

- Na Rádio Gama – http://radiogama.blogspot.com/2010/05/ugf-recebe-jornalistas-no-x-gama-com.html  

Uma Dica:

– Uma crítica da professora Celeste Zenha, do Departamento de História da UFRJ, sobre o livro de Pierre Bourdieu, “Sobre a Televisão”, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997. - http://www.ifcs.ufrj.br/humanas/0009.htm

- Revista de Antropologia Pierre Bourdieu. Sobre a Televisão, seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, 143 pp. - Sylvia Caiuby Novaes - Professora do Departamento de Antropologia – USP

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77011998000200008

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