segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Editoria Caleisdoscópio Baiano

Mídia e Direitos Humanos em debate

   Seminário Mídia e Direitos Humanos, na FACOM/UFBA


Claudia Correia*

Com objetivo de discutir o papel da mídia frente aos Direitos Humanos, aconteceu nesta quinta-feira (26), na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM/UFBA) o Seminário Mídia e Direitos Humanos. Cerca de 150 pessoas participaram do evento, promovido pelo Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC)(http://www.ccdc.ufba.org.br/)

A primeira mesa de debates da manhã, Mídia e Direitos Humanos: contexto nacional trouxe como eixo norteador a atual situação institucional, educacional e política dos direitos humanos, e o papel da sociedade no monitoramento da mídia.

O secretário nacional de Educação em Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Fábio Santos, abordou o Plano Nacional de Direitos Humanos como uma conquista de emancipação do povo brasileiro.

A professora de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Cicília Peruzzo, afirmou que o maior desafio é a produção e a difusão do conhecimento. Ela alertou para a necessidade de criar mecanismos de garantias, não simplesmente construir um discurso descolado da realidade.

O professor de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo, Edgar Rebouças demonstrou como os observatórios de mídia podem fortalecer a democracia, além de servirem como alternativa de controle social do chamado “quarto poder” .

Na parte da tarde, a mídia baiana esteve em foco em duas mesas. A primeira foi a mais interessante de toda a programação em minha opinião. Tratou de ações de mobilização política, práticas bem criativas que denunciam a cobertura sensacionalista e se articulam em rede para sensibilizar órgãos públicos para coibirem os abusos da mídia.


Uma série de experiências que vêm sendo desenvolvidas na Bahia por organizações sociais, universidades e poder público foram apresentadas e debatidas. Rodrigo Nejm expôs o trabalho da organização Safernet Brasil no combate à pedofilia na internet e as diversas formas de violação dos direitos da criança e do adolescente, conquistados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para ele é preciso conceber o ciberespaço como um espaço público para que se possa garantir os direitos humanos. Gostei muito da cartilha virtual para adolescentes disponibilizada no site da entidade (http://www.safernet.org.br/) e da Campanha para denúncias contra crimes na rede.

Paulo Rogério, do Instituto de Mídia Étnica, apresentou como a mídia local tem retratado as questões de raça em Salvador, maior capital negra do País. Mostrou a produção do portal Correio Nagô, do qual sou colaboradora e algumas experiências com jovens de bairros populares em formação na área de comunicação, em parceria com a FACOM/UFBa. Daniella Rocha, da CIPÓ – Comunicação Interativa e membro do CCDC mostrou os primeiros resultados do monitoramento realizado com os programas de TV “Se liga Bocão” e “Na Mira” que já foram notificados pelo Ministério Público através de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) mas insistem na cobertura que reforça o preconceito, incita a violência e explora a imagem de crianças e criminosos. Morri de saudade do meu estágio na CIPÓ em 2008 ,com jovens estudantes monitorando as políticas públicas na rede “Sou de atitude”(http://www.soudeatitude.org.br/)  

Sivaldo Pereira, do Intervozes, apresentou um estudo muito interessante sobre indicadores do direito à comunicação no Brasil, elaborado pela organização e recém-publicado. Comprei um exemplar para doar à biblioteca do curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia. Quem se interessar há uma versão on-line no site do Intervozes.“A mídia viola direitos, viola princípios. A falta de garantia do direito de se expressar já é uma violação”, afirmou Sivaldo.

Um público bem heterogêneo e curioso participou do debate. A documentarista espanhola, Marisol Soto, falou da expectativa com o evento, “é de extrema relevância conhecer o tipo de análise que os palestrantes têm da mídia na temática dos direitos humanos, pois isto reflete, sem dúvida, a sociedade que temos”.

A última mesa do Seminário foi dedicada ao Ministério Público da Bahia, que abordou como o órgão vem se relacionando com a mídia, principalmente em relação à garantia dos direitos de crianças e adolescentes. A palestra foi da promotora Márcia Guedes, que tem se destacado na Bahia como uma corajosa aliada do movimento em defesa do ECA. O controle das atividades policiais na Bahia foi o tema abordado pela promotora pública Isabel Adelaide.

Ao final do Seminário, tive a certeza que as propostas aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, precisam ser retomadas pelo movimento em defesa da política pública de comunicação. Os conselhos nacional e estaduais de comunicação são fundamentais neste processo para assegurar que os direitos humanos sejam preservados na mídia. Sem o controle social restam discursos de ocasião e boas intenções. A nossa mobilização permanente é fundamental neste momento de promessas eleitorais e factóides.


*Claudia Correia, assistente social, jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br.


Fotos: Claudia Correia.

sábado, 28 de agosto de 2010

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta

EPPUR SE MUOVE – uma crônica política do meio do mundo

- Sobre sujeitos politicos coletivos e resistência ao capitalismo no Brasil -


Mione Sales*

 
“No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio”.
Prazo de Vida, Cecília Meireles


Outro dia li uma bela e bem humorada entrevista do poeta Mário Quintana em que ele comentava haver lido um livro ou poema de Cecília Meireles intitulado « Canção do Meio do Mundo ». Penso que a memória talvez tenha pregado uma peça no nosso querido poeta gaúcho. Fiz minhas incursões virtuais e não encontrei essa referência, mas encontrei alguns poemas da poeta carioca que se aproximam do tema.

Mesmo assim, inspirei-me na poesia de Cecília para falar um pouco do que vi e vivi nos debates que acompanhei em Brasília, por ocasião do XIII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. Meu companheiro de blog, Jefferson Ruiz, deu um « plá » sobre tudo o que foi discutido por lá a respeito da comunicação. Para não repetir, vou escrever sobre uma mesa que brilhou não no começo nem no final, mas no justamente no « meio » do Congresso.

Tratou-se da mesa “Sujeitos políticos coletivos na sociedade brasileira : resistência ao capitalismo». Ela contou com a fala de representantes dos movimentos sociais de mulheres, formação política e sindical, dos sem-teto e da professora da UFF, Virgínia Fontes. Vou dar ênfase a uma das que me chamou mais atenção, a bela e singular fala do « meio », a de Helena Silvestre do MTsT-SP.

De punhos cerrados no Cerrado

« O vento forte, seco e sujo em cantos de concreto
parece música urbana ».
Legião Urbana


« Lutas sociais e exercício profissional no contexto da crise do capital: mediações e consolidação do projeto ético-político profissional » foi o tema do XIII CBAS. De tudo o que assisti, penso que a primeira mesa do domingo sobre os sujeitos políticos coletivos foi a que operou uma síntese de algumas das maiores expectativas e utopias dos mais de dois mil assistentes sociais inscritos. Essa mesa reuniu a academia e os movimentos sociais. Como os professores e intelectuais costumam ter acesso à palavra escrita e falada com mais facilidade, vou dar espaço a uma das intervenções que me tocou pessoalmente e que rima com o que a Editoria Volta do Mundo vem sempre se posicionando a favor: a criatividade e a irreverência que vêm de baixo para cima e que contestam os velhos nichos de poder.

Para começar, a « fala » de Helena S. exprime uma visão de mundo crítica, com o tempero de quem faz política e milita com os pés no chão; uma fala marcada pela sensibilidade e sabedoria de articular os elementos teóricos com a versatilidade da interpretação popular. Guiada por um verbo livre, Helena deu uma aula para a categoria dos assistentes sociais, que viam naquela « intelectual orgânica», conforme a terminologia gramsciana, a expressão viva de muito do que aprendemos em sala de aula, defendemos no nosso código de ética e pelo que lutamos nas nossas entidades. Com as suas próprias palavras: « A gente pode não saber escrever, mas sabe entender a lógica das coisas ».

Helena Silvestre é uma jovem militante paulista, que à sua maneira explicitou fundamentos marxianos, ao discorrer sobre a luta dos sem-teto : «São as condições materiais que vão determinar a forma de ver a vida ». Queria se referir às dificuldades muitas vezes dos nossos usuários irem além do senso comum, o que todavia tem dois gumes, pois essas mesmas condições materiais que oprimem e alienam permitem, ao serem sentidas na pele, que se ultrapasse pela revolta, engajamento e consciência adquirida na luta as leituras dominantes sobre a realidade.

Silvestre convidou a que os profissionais prestem atenção no presente, sem perder, contudo, a perspectiva histórica. O presente é ponto de partida das análises críticas, como recomendava o bom e velho Karl Marx, mas não pode se confundir com o que alguns criticaram no CBAS como « presentismo ». Sempre receio interpretações errôneas da parte de alguns que assistiram ao congresso e que podem recusar doravante a ater-se ao presente para não incorrer em « pós-modernismos ». Gente, como diria, Helena Silvestre, análises de conjuntura se fazem com base fundamentalmente na decifração do presente, sem, evidentemente, perder os nexos com a história e o que queremos em termos de futuro. Não confundamos, por favor, as coisas!

Infelizmente, como ela bem lembra, para muitos que integram as classes trabalhadoras e dependem do salário para sobreviver, o futuro se resume apenas à data do dia do pagamento. O horizonte de uma maioria é encurtado pelo tamanho das suas necessidades de sobrevivência, o que, em artigo anterior, nomeamos, apoiada em Agnes Heller, como « necessidades básicas ou necessidades necessárias ».


A gente se integra brigando



« Toda favela tem um pouco de senzala!
Todo camburão lembra um navio negreiro!
Toda ocupação tem um quê de quilombo! »
Serginho Poeta


Eis uma afirmação dialética! Os movimentos sociais lutam e dialogam, por vezes, ásperamente com o Estado, que responde alternativamente com repressão ou assistência. Helena citou, inclusive, o mal-estar que consiste em lidar com as novas modalidades de contratação por empreitada dos profissionais de Serviço Social para fins apenas de remoção de invasões e acampamentos. A interlocução que se estabeleceu entre as organizações da categoria e o Movimentos dos Trabalhadores Sem-Teto, no entanto, já permitiu que, em algumas ocasiões, assistentes sociais se recusassem a cumprir mandatos judiciais de expulsão. Isto tem um preço, é claro, mas segundo ela foi emocionante que esses profissionais rejeitassem o papel de « cães de guarda » da propriedade privada. Disse: « Quando as assistentes sociais contratadas pelo governo ficaram do nosso lado, nós ficamos menos sozinhos ». Ela entende os limites e contradições do nosso papel profissional, mas reivindica e propõe aos profissionais de Serviço Social - resumindo em poucas palavras o conteúdo de muitas disciplinas do currículo - « fazer o máximo dentro do que é possível ».

Conquistar políticas de assentamento é uma forma de integração, mas os militantes fazem-no procurando guardar a independência. É a isso que ela chama de « briga », de não se curvar ao poder do Estado, após conquistas efetivadas pelo movimento. Ela tem razão, porque sempre há o risco da cooptação.

Os militantes do MTsT identificam, tal como o Movimento dos Sem-Terra, hoje no território e no cenário mais amplo da cidade, um pólo estratégico de mobilização de várias formas de lutas e sujeitos políticos. Isto porque é no território que se dá o processo de reprodução das relações sociais, sendo a moradia uma das necessidades fundamentais de sobrevivência e sociabilidade dos indivíduos. É a moradia justamente que protege do frio de moer os ossos, de que fala a poeta e ao qual se expõem os que vivem nas ruas. Helena nos relembra uma velha lição: « Não há condições ideiais para fazer a resistência e a militância. O momento é o da necessidade, da urgência… »


Sair do script

                                    Acampamento João Cândido, região Sudoeste de São Paulo

Helena Silvestre, com uma fala que vem « de bajo », logo cheia da sensibilidade dos que sofrem na pele o peso da exploração, diz que é preciso saber se impor frente à força do capital, pois há limites físicos e psíquicos para a sobrevivência dos trabalhadores expostos a toda uma série de mazelas sociais. Diz, com realismo, mas sem qualquer lamúria : « Colecionamos problemas… ».

Para ir contra a estrutura fundiária e o grande capital imobiliário urbano, é preciso reaprender a desobediência, pois a luta pela emancipação alimenta-se da resistência e da indignação. É preciso inventar novas formas de resistir e avançar. « Quem sabe, voltarmos a ser um pouco moleques e crianças, que não têm medo de atirar pedras nas vidraças? », propõe. De todo modo, é necessário sair do script.

Como vamos subverter? Como vamos sair do script? Ao pensar no espaço e possibilidades do território, ela sugere refletirmos sobre o conjunto de potências e capacidades que esse campo social e político pode nos abrir enquanto profissionais e militantes. Segundo ela, os movimentos sociais, comprimidos pela necessidades de sobrevivência dos sujeitos que os integram, devem mobilizar estratégias que implicam inevitavelmente em desobedecer e subverter o estabelecido.

Desconfiar do consenso



Em se tratando de políticas públicas, a experiência militante a ensinou que « quando ninguém mete o pau, é porque tem algum problema ». Normalmente, quando a mídia não critica o governo, é porque tem muita gente contente e lucrando com certas medidas, alerta.

Discutimos sobre a « tentação do consenso » em artigo nosso publicado no livro Família, Políticas Pública e Juventude (Cortez editor, 2004). Helena Silvestre vai ao encontro do que ali sinalizávamos, pois há uma tendência cristã, talvez, que nos leva muitas vezes a temermos o dissenso e o conflito. Jacques Rancière nos ensina, porém, que é próprio da política e da democracia nutrirem-se justamente do litígio, do que « falta », daquilo que não foi acordado.

Isso não é algo simples. É um aprendizado, que, por vezes, tem o tempero doído das derrotas, como no caso dos despejos, o de ver os « barracos despedaçados ». Esse duro aprendizado deixa um gosto amargo na boca, mas é algo também que contraditoriamente serve de combustível para a luta. Para enfrentar esse tipo de situação e persistir, recomenda : « É necessário romper com as amarras que estão dentro de nós ».

Helena Silvestre relembra que é importante ousar nas parcerias, pois, segundo ela, não existe luta no serviço público sem aliança com os usuários e suas organizações de base. Como relato de possibilidades de lutas no âmbito do território, ela cita a ocupação de um posto de saúde. Reivindicar apenas a sua melhoria não resolveu, então o movimento o ocupou, o que naturalmente chamou a atenção das autoridades públicas. Esse é um jeito de dizer que a população dos bairros e periferias não está conformada nem resignada com as migalhas públicas que estão ao seu dispor.

Precarizados e fora da condição humana

                                                       « Murdered » - Chow Hon Lam

« (…) me diga se devo ir-me embora,
para que outro mundo e em que embarcação! »
Tentativa, Cecília Meireles


Dentro do eixo do nosso blog, Helena cita, como tantos outros profissionais com os quais dialoguei nessa minha curta estadia no Brasil, o horror em que consistem os programas policiais na TV aberta do estilo Datena. Segundo ela, “é bom ver o que todo mundo está vendo”, para poder compreender e criticar. É de se imaginar o show de atrocidades ali veiculadas: as câmeras, por exemplo, mostraram no dia em que ela assistiu à programação um jovem negro sendo executado com um tiro na cabeça, por ter assaltado uma farmácia. Diz: “esse jovem já nasceu com uma sentença marcada, pois é filho da classe trabalhadora”. Os jovens das periferias e favelas brasileiras são, dessa forma, seres precarizados e expulsos da condição humana.

É preciso que lutemos todos, segundo ela, contra esse « projeto de extinção dos pobres ». Cabe, sem perder jamais a generosidade, lutar pelo impossível. Ao que propomos aqui, após insight que tivemos em palestra sobre « Mídia e Questão Social » na UFRN, realizarmos uma campanha Contra a barbárie na TV. Simplesmente não podemos silenciar ante à espetacularização da vingança e banalização da violência, em que são exibidos corpos sem vida, inclusive de mulheres assassinadas pelos seus companheiros; corpos mortos, despidos de qualquer comoção, humilhados, vítimas do sofrimento e atingidos em sua dignidade. Isso não é direito à informação, mas sensacionalismo puro que escamoteia a crítica da questão social brasileira e suas multifacetadas refrações. Essa é uma pauta que também se insinuou na fala de Helena Silvestre e que propomos à reflexão da categoria nos próximos fóruns da categoria, como o Encontro Nacional CFESS-CRESS, em setembro próximo e no ENPESS, em dezembro no Rio de Janeiro.

Como reitera Silvestre, vivemos e trabalhamos numa sociedade dividida em classes sociais, uma sociedade contraditória e em permanente tensão, em que o horizonte para muitos é apenas o da sobrevivência. Cabe respeitarmos e compreendermos justamente esses limites, pois é deles que surgirão também propostas de ultrapassagem dessa ordem social. Para tanto, diz Helena, é preciso que os movimentos sociais, usuários e demais trabalhadores - que partilham dos valores que apontam para um novo projeto societário - se unam e se entendam como classe para poder melhor persistir e avançar na luta.

Resume, assim, suas dicas para a uma leitura do presente e construção de estratégias políticas combativas:

- Desconfiar do que está bom demais ou é alvo de « consenso » ;

- Aliar-se com os usuários e outros cidadãos humildes ;

- Aprender a desobedecer , ou seja, sair do script.

« Então, vamos disputar ! Projetar o futuro e avançar na luta de classes !», encerrou.


Eppur se muove

                  Ilustração das observações de Galileu da Lua, mostrando sua superfície irregular

Para encerrar, insistamos mais um pouco com o « meio », para voltarmos ao começo. Verônica Ferreira, a terceira palestrante dessa mesa a falar, representante do movimento feminista de Recife, disse: « É a partir da emoção também que a gente se move ». Guardemos de sua fala especialmente esse sentido do « mover-se », do movimento e da resistência.

Por isso, recorremos à fala de Galileu Galilei – « Eppur se muove » -, no contexto em que ele foi obrigado a renegar as suas descobertas científicas que indicavam que a Terra se movia e girava em torno do sol e não o contrário. Há quem diga que ele não teria proferido tais palavras, pois seria temerário fazê-lo diante dos tribunais da Inquisição. Mas agrada-me pensar que ele a disse, sim. Renegou as suas descobertas, mas baixinho, disse : « No entanto, se move ». A Terra gira.

Foi com esse contentamento que assisti a essa mesa composta por intelectuais e lideranças dos movimentos sociais. O sentido de subversão a todo dogmatismo e formas autoritárias de pensar e de fazer política foi muito bem posto pelos que ali falaram, simbolizado na paradigmática fala da representante dos trabalhadores sem-teto. Viu-se ali o “otimismo da vontade” em fina sintonia com o necessário “pessimismo da razão”, segundo mais uma vez pressupostos gramscianos.

Esse foi um dos ganhos maiores do XIII CBAS: perserverar na irreverência e combatividade, sem temer ir contra o estabelecido. Ousar acreditar no potencial de transformação que vem de baixo para cima, ali representado pela fala dos movimentos sociais. Pode, por vezes, ser dificil o combate, EPPUR SE MUOVE…
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Mione Sales – é assistente social, doutora em Sociologia (USP) e professora de Serviço Social da FSS/Uerj. Contato: mioneecia @ hotmail.com
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Links

Para navegar

http://www.mtst.info/

Para ler

MEIRELES, Cecília. Mar Absoluto. 2a. ed., Editora Nova Fronteira, 1983.

PESSANHA, José Américo Mota (introd). Galileu. Col. Os Pensadores. Nova Cultural, 1999.

VAN STEEN, Edla. Viver & Escrever. 3 vols. L&PM editores, 2008.

Para ouvir

http://www.youtube.com/watch?v=PJhu0GaU9Hc&feature=player_embedded
(« Música Urbana », com Renato Russo)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Editoria Jornalismo na Correnteza

A arte pela vida contra o deserto

A arte de rua pousa para foto diante do monumento à grande arte


Ana Lúcia Vaz*


Artistas de circo, teatro de rua, foliões e outros "loucos", ou melhor, artistas, fizeram um lindo ato, segunda-feira, dia 23 de agosto, na Cinelândia, centro do Rio. Festa política. “Para que todos saibam”, diziam eles, que as cidades estão sendo privatizadas, no Brasil.

Praças gradeadas, atividades publicas cercadas, com distribuição de senha, e exigência de autorização da Secretaria de Ordem Pública para qualquer atividade de rua. Tudo isso, segundo Amir Haddad, do grupo Tá na Rua, é parte de um projeto de cidade, que avança em todo país. “A população não sabe. Porque é feito de cima pra baixo.”

Amir Haddad coordena o ato-espetáculo popular

Neste projeto, Moradores de rua, camelôs, artistas, foliões, todos foram colocados no mesmo saco e estão sendo expulsos para “limpeza das ruas”. "Querem transformar isso em Dinamarca!", protestavam os artistas.

O ato foi convocado por centenas de grupos artísticos, em todo o Brasil. Em todas as falas, a denúncia a um plano de cidade “facistóide”, nas palavras de Haddad, uma espécie de rei momo do ato no Rio. A pergunta que se repetia era: “Que Brasil a gente quer mostrar na Olimpíada?”. Para os atores-manifestantes, um Brasil brasileiro, popular, plural e em transformação. Mas, ao que parece, o projeto das autoridades é outro: ordem, controle e praças vazias.

 A festa é do povo

Mas, contra a cidade deserta que o Estado promove, Haddad avisa: "Estamos vivos!" Falta de política para a cultura popular, segundo Haddad. "Só temos política de controle!"

 A festa continua

No final do ato, Herculano Dias, também do grupo Tá na Rua, desabafou: “A gente se sente como o cocô da vaca. Mas eles esquecem que do cocô da vaca nascem cogumelos maravilhosos!”

                              Poetas do mundo pela continuidade da vida


*Ana Lucia Vaz, jornalista, mestre em Jornalismo (USP), membro da Rede Nacional de Jornalistas Populares (http://www.renajorp.net) , professora de jornalismo e terapeuta craniossacral.


** fotos Ana Lucia Vaz

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Editoria Estranha Semelhança com a Utopia

Serviço Social avança no debate sobre comunicação

13º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais tem eixo com diversos trabalhos sobre o tema

Jefferson Ruiz*

        Fonte: CFESS

Pela primeira vez em sua história o maior evento político e profissional dos assistentes sociais brasileiros teve trabalhos inscritos para o eixo comunicação. Embora a proposta de debate das relações entre suas diversas dimensões e o Serviço Social já tenha constado da edição anterior do evento, naquela ocasião nenhum trabalho foi aprovado neste eixo de debates. A 13ª edição do evento ocorreu em Brasília, de 31 de julho a 05 de agosto.

O debate sobre comunicação no Serviço Social não está se iniciando agora. Ele vem, ao menos, do final da década de 90, com a aprovação, pelo Conselho Federal de Serviço Social, do documento chamado “A beleza está nas ruas”. Daquele momento até hoje os conselhos regionais e federal da profissão avançaram muito em acúmulo e ações em comunicação. Uma visita às diversas páginas eletrônicas destas entidades permite perceber a qualidade de diferentes instrumentos de comunicação, sempre buscando uma visibilidade adequada para as políticas sociais e para o próprio Serviço Social. Trata-se de tarefa cumprida com dedicação e profissionalismo por assessores de comunicação, direções das entidades, assistentes sociais de base e outros colaboradores.

       Fonte: blog Serviço Social hoje


A novidade no 13º CBAS foi constatar que a produção teórica e prática de profissionais passa a perceber o fenômeno da revolução das comunicações como fundamental para explicar o tempo atual, suas contradições e, inclusive, as potencialidades existentes de mudanças e de maior articulação entre setores progressistas, que buscam uma sociedade justa.


O debate sobre comunicação foi incluído no eixo Educação, Comunicação e Cultura. Pela quantidade de trabalhos inscritos, os temas comunicação e cultura tiveram uma tarde específica de debates e apresentação das produções. Nos trabalhos, pôde-se perceber: reflexões teóricas sobre conceituação de cultura; interpretações políticas sobre a concentração dos meios de comunicação; recuperação dos avanços profissionais obtidos até o momento e propostas para que o debate continue evoluindo (por exemplo, a necessidade de que a formação em Serviço Social reconheça que a comunicação é um tema da atualidade e, com a formação generalista que caracteriza a profissão, perceber como se relaciona com a apreensão sobre a conjuntura, as políticas sociais, o modo de ser de diversas populações e outros fenômenos).

                          
      Fonte: CFESS

Um dos aspectos mais legais do eixo Comunicação e Cultura, em minha opinião, foi perceber que estudantes e profissionais começam a se utilizar de instrumentos de comunicação para viabilizar acesso a direitos da população, bem como para disputar publicamente as interpretações sobre Serviço Social e políticas sociais. Sabemos, hoje, do desenvolvimento de experiências de boletins (impressos ou eletrônicos) e programas de rádio e de televisão comunitárias que contam com assistentes sociais e estudantes de Serviço Social em suas equipes interdisciplinares. Nosso papel não se confunde com os aspectos técnicos de tais produções (embora seja sempre importante entender os elementos básicos que as conformam). Em geral, nossa inserção se dá na elaboração da pauta, na identificação dos temas mais candentes para determinada população, no trato destinado às diversas demandas populacionais e aos direitos que a elas estão relacionados. Parece-me possível afirmar que não teremos assistentes sociais atuando em comunicação (técnica e teoricamente falando não temos, em nossa formação, os elementos mínimos exigidos para que tal atuação se dê com qualidade). Contudo, é perceptível que a comunicação coloca-se, cada vez mais, como instrumento de divulgação e potencialização de ações profissionais. Estas possibilidades, aliás, já estavam relatadas em artigos publicados no livro “Mídia, questão social e Serviço Social”, quando projetos desenvolvidos por assistentes sociais viabilizaram, por exemplo, debate crítico com a juventude em relação ao conteúdo de programas de televisão.

Outro fator bastante relevante foi perceber que em vários Estados do país o debate sobre comunicação começa a se fazer presente. Após o CBAS podemos afirmar que ao menos Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul já contam com esta preocupação. O que não descarta pensarmos em formas de mapeamento e troca de experiência nacional de experiências eventualmente desconhecidas.

Em um Congresso que deve ficar marcado para a história profissional (leiam comentários finais abaixo), a chegada da comunicação como mais um tema para nossos acúmulos e debates também foi um marco que tende a ser lembrado com a devida atenção futuramente.

Conjunto CFESS/CRESS atualizará Política Nacional de Comunicação

         Fonte: CRESS-RJ


Por sua vez, os conselhos federal e regionais de Serviço Social vêm se reunindo em 2010 para atualizar a Política Nacional de Comunicação do Conjunto que integra estas entidades nacionalmente. A primeira versão da Política foi aprovada em 2006, no Encontro Nacional CFESS/CRESS ocorrido em Vitória (ES), após a realização do 1º Seminário Nacional sobre o tema.

No último dia 15 de julho os CRESS da Região Sudeste realizaram um Seminário Regional de Comunicação, para pensar as contribuições dos profissionais dos Estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo para a Política Nacional. O evento ocorreu em Copacabana, sendo organizado pela comissão de comunicação do CRESS-RJ.

Na primeira mesa do evento a coordenadora da Comissão de Comunicação do Conselho Federal de Serviço Social, Kênia Augusta Figueiredo, foi acompanhada por Mione Sales, uma das idealizadoras e colaboradoras do blog Mídia e Questão Social. Ainda estiveram presentes no evento Alessandra de Melo Silva, Nelma Espíndola e Leandro Rocha. Leandro e eu integramos a comissão organizadora do Seminário.

Em setembro, em Florianópolis (SC), ocorrerá o 2º Seminário Nacional de Comunicação do Conjunto CFESS/CRESS. Na pauta, discussões políticas e conjunturais sobre a comunicação no mundo atual e a Política Nacional de Comunicação. Tive o enorme prazer de ser convidado para contribuir na mesa que discutirá a Política. Comprometo-me a registrar os aspectos mais relevantes dos debates para próximas postagens no Blog.

Comentários finais

         Fonte: CRESS-RJ

13º CBAS na história profissional – Brasília viveu a concretização de uma proposta que as assembleias de assistentes sociais do Rio de Janeiro já apontavam há vários anos: a realização de atos públicos de rua, articulando movimentos sociais locais, suas demandas e as reivindicações profissionais. Aproveitando a presença de cerca de 2800 pessoas para o Congresso foi realizado um grande ato público, nas ruas da cidade, para reivindicar especialmente a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei 152/2008, que estabelece a jornada semanal de trabalho de assistentes sociais em, no máximo, 30 horas. A manifestação reuniu três mil pessoas (destaque-se a presença e aliança com os trabalhadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, em greve há mais de cem dias – presente em Brasília com nada menos que 18 ônibus). Criativa na forma, nas músicas, nas danças, no visual, a mobilização apresentou aos que a presenciaram a defesa de várias bandeiras, como a defesa de saúde e educação de qualidade, o fim da violência contra a mulher, o questionamento à homofobia, a defesa das terras indígenas, a necessidade de reforma agrária e urbana que desconcentrem terra e riquezas. Vários movimentos sociais estiveram presentes e se manifestaram conosco. Ao final do dia, após pressão e articulações com senadores, os manifestantes receberam a notícia da aprovação do projeto das 30 horas. Obviamente, comemoramos muito! O que não encerra a luta: o presidente da república tem 15 dias, a contar da aprovação, para sancionar ou não o PL 152. Você também pode ajudar: participe do abaixo-assinado digital, acessando as páginas eletrônicas do CFESS (www.cfess.org.br) ou do CRESS-RJ (www.cressrj.org.br). A defesa de jornadas de trabalho mais justas é a defesa de serviços com maior qualidade a toda a população.

           Fonte: CRESS-RJ

Impactos do livro “Mídia, questão social e Serviço Social” – No mesmo CBAS soubemos oficialmente, pela Editora Cortez, do lançamento da segunda edição do livro que deu origem a este Blog. Ela teve cinco mil exemplares, o que confirma a importância da contribuição e reflexões que assistentes sociais e profissionais de comunicação apresentam na publicação. Registre-se, também, o agradecimento de uma das congressistas, na sessão temática que discutiu os trabalhos, em relação ao livro. Segundo seu relato, suas pesquisas não haviam identificado nenhuma publicação que relacionasse Serviço Social e comunicação. Persistindo na defesa da necessidade de debate do tema, poucos meses antes de concluir sua monografia o livro foi lançado, contribuindo com sua produção acadêmica e permitindo a manutenção do eixo de seus estudos e pesquisas.


Dicas e informações adicionais


. O CBAS é realizado de três em três anos e orienta a agenda profissional de assistentes sociais para o período seguinte. Sua organização prevê a realização de conferências, plenárias simultâneas, sessões de apresentações de trabalhos (nas modalidades oral e pôster), atividades culturais.

        Fonte: CRESS-RJ

. Mais fotos do Congresso e da grande manifestação de Brasília estão divulgadas pelo Conselho Federal de Serviço Social nos álbuns do PICASA. Acesse em http://picasaweb.google.com/109586589439976747638

 
Fonte: CFESS-RJ

. Vários colegas filmaram trechos do ato. Estamos tentando viabilizar a divulgação de alguns deles no youtube. Já há alguns trechos do Congresso disponíveis, provavelmente postados por participantes do evento.


            Fonte: CRESS-RJ

 *Jefferson Lee de Souza Ruiz é bacharel e mestrando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Profissionalmente, atua como assessor político do Conselho Regional de Serviço Social do mesmo Estado.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Editoria Caleidoscópio Baiano

Estudo analisa o Trabalho infanto-juvenil na Bahia




Claudia Correia*


O estudo O Trabalho Infantil no Estado da Bahia, lançado no dia 5 de agosto, no Auditório da Assembléia Legislativa da Bahia apresenta uma ampla radiografia do trabalho de crianças e adolescentes, útil a uma apurada reflexão.

A pesquisa integra as ações do projeto de cooperação técnica “Apoio aos Esforços Nacionais em prol de um Estado Livre de Trabalho Infantil” desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) por meio do Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil – IPEC. A iniciativa se insere no Programa Bahia de Trabalho Decente e no Pacto “Um Mundo para a Criança e o Adolescente do Semiárido".

Coordenado pela Profa. Dra. Inaiá Carvalho (CRH – UFBA/ UCSAL) o estudo teve como objetivo obter informações sobre a dimensão do trabalho infantil na Bahia e comparar estas características com o cenário brasileiro. A análise é feita a partir da série histórica de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e do Censo do IBGE(2000). A intenção é também apontar alguns dos desafios para superação desta questão, além de orientar a adoção de políticas públicas para combater o problema.

O trabalho infanto-juvenil no estado, apesar de decrescer nos últimos 16 anos, ainda indica um quadro preocupante quando comparado em nível nacional. Essa constatação foi revelada pela pesquisadora Inaiá Carvalho, que apresentou no evento de lançamento o resultado do estudo qualitativo e quantitativo entre os anos de 1992 e 2008.

Segundo Inaiá, em âmbito nacional, o trabalho infanto-juvenil ocorre, majoritariamente, em núcleos urbanos. Já no estado, os estudos revelaram que esta concentração ocorre na zona rural, fato percebido anualmente – ao longo dos anos – e em todas as faixas etárias. "Esta situação é encontrada em localidades extremamente pobres, 56% das famílias vivem em situação de pobreza e indigência", enfatizou a pesquisadora, apontando que muitas crianças e jovens trabalham ligados a núcleos familiares, em pequenas lavouras de subsistência ou no trabalho doméstico não remunerado.

Ela apontou ainda a má qualidade do ensino público como um dos principais fatores de perpetuação da exploração dos jovens, já que a repetência e o atraso letivo os fazem abandonar a escola.

Vale lembrar que dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) revelam que a Bahia apresenta o maior índice de analfabetos do País, cerca de 2,7 milhões. Em Salvador, segundo o IBGE(2000) temos 300 mil analfabetos. Os Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)-2009 divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) em junho, mostram que 35% das escolas públicas do país ficaram abaixo da meta estipulada pelo governo federal para cada uma delas no ciclo do 6º ao 9º ano. Nos anos iniciais, do 1º ao 5º ano, ficaram abaixo da meta 26% das escolas.

Quanto ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) Inaiá Carvalho reconhece que conseguiu avanços importantíssimos, mas, nos últimos anos, suas conquistas não vêm mantendo os mesmos patamares dos anos iniciais.

O estudo, que pretende nortear a adoção de políticas públicas, aponta algumas soluções emergenciais. O desenvolvimento econômico e social de algumas localidades, principalmente no Semiárido baiano, a ampliação das famílias beneficiadas pelo Peti e a melhora significativa da qualidade da educação são vistos como ações que devem ser adotadas imediatamente.

Confira os destaques deste estudo, resultados, gráficos e recomendações gerais no arquivo abaixo.

O Trabalho Infanto-Juvenil no Estado da Bahia - Destaques do relatório preparado por Inaiá Maria Moreira de Carvalho e Claudia Monteiro Fernandes para a OIT Brasil - Março de 2010.


*Claudia correia, assistente social,  jornalista, profª da ESSCSal, Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Contato: ccorreia6@yahoo.com.br.