terça-feira, 8 de março de 2011

Editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta


HOMENAGEM AO DIA 8 DE MARÇO

GUERRA E PAZ: MULHER, TRABALHO E QUESTÃO SOCIAL
Mione Sales*
Enquanto os últimos blocos ainda desfilam no Brasil, cuícas choram, agogôs repicam, o mundo inteiro comemora o 8 de março, dia internacional da Mulher. Meus colegas do Mídia e Questão Social também estão ainda viajando ou envolvidos em outras atividades. Não poderíamos, porém, deixar essa data cair no vazio neste blog que já tão belamente homenageou a Marcha Mundial das Mulheres. Como, porém, fazer uma nova homenagem sem recair no mesmo? Há no momento tantas campanhas feministas lindas, governamentais e não-governamentais, assim como campanhas de movimentos sociais! Creio, porém, que há espaço para temas diversos. Por isso, ecoou em mim uma vontade de me voltar para a profissão, o Serviço Social. Queria homenagear Leilas Limas, Marildas, Nobukos, Albas, Marietas, Betes, Elaines,  Ivas, Hildas, por sua força rara, e demais profissionais críticas e competentes de várias gerações deste Brasil afora, mas os limites dessa página seriam certamente pequenos para caber todas essas e muito mais outras profissionais que imprimiram e continuam a imprimir no PRESENTE a sua marca no mapa da profissão.
Ocorreu-me então  escrever a partir do ângulo da história do Serviço Social. Como estou morando fora,  nada mais natural que a editoria Volta do Mundo, Mundo dá Volta tentasse resgatar o passado internacional da profissão. Minha curiosidade deteve-se, assim, sobre uma personagem não muito divulgada entre os assistentes sociais brasileiros, mas certamente conhecida dos especialistas. Tentei me despir dos velhos preconceitos com que estudei as bases do funcionalismo, no sentido de enxergar sobretudo a mulher e a profissional, e consequentemente a sua contribuição para o Serviço Social. Essa mulher, social worker norte-americana, é também socióloga e filósofa. Seu nome é Jane Addams.


MEMÓRIA - UMA « MOÇA BEM-COMPORTADA » QUE ENTROU PARA A HISTÓRIA
A assistente social norte-americana Jane Addams é, sem dúvida alguma, uma instigante personagem que marcou a história daquele país e em certa medida do mundo. Num momento em que por vezes nos sentimos abatidos diante da crise social e econômica, cujos revezes repercutem, inclusive, sobre os nossos ideais, a ponto de alguns até recearem a configuração de uma crise do projeto ético-político que orienta a profissão, vale conhecer a determinação dessa assistente social frente a um contexto de ebulição social. 

Estamos falando de Chicago, nos Estados Unidos, final do século XIX. Cenário de intensa imigração europeia na direção do Novo Mundo. Longe da romantização do cinema americano, impera ali o caos urbano, com demandas múltiplas ante o fenômeno da migração em massa de trabalhadores para os Estados Unidos em busca de novas oportunidades. Em termos atuais, equivaleria aproximadamente a um movimento de trabalhadores pauperizados do mundo todo rumo à China.

Imbuída da solidariedade, mas sobretudo com capacidade de liderança e noção de estratégia politico-profissional, Addams, com a colaboração de uma outra colega Ellen Starr, mobilizou esforços para criar uma modalidade de centro social, que se tornou mais conhecido como Hull House (1889). Não se tratava apenas de um abrigo ou de mera instituição fornecedora de alimentos e agasalhos. Mesmo em meio à intensa crise,  Addams criou uma espécie de equipamento social - inspirada na experiência inglesa da Toynbee Hall, em Londres (1884) -, que se tornou um ponto de apoio fundamental para a inserção de muitos imigrantes no mundo do trabalho. Reside nisso, inclusive, a atualidade e um certo caráter de vanguarda da sua iniciativa, pois aqueles imigrantes não foram criminalizados nem sofreram medidas correcionais. A eles foi dada a oportunidade de aprender a língua do país, para que encontrassem trabalho e pudessem conduzir suas vidas com autonomia. Foram estimulados também a participar de atividades lúdicas e culturais, como teatro, poesia, entre outros. O pano de fundo era, assim, bastante inovador. A Hull House, mais que assistência social, estabelecia pontes culturais entre dois mundos: o Velho e o Novo. Tornou-se em pouco tempo um « centro de ação real », voltada para a educação de adultos, formação cultural e também atenção às crianças. (Ver vídeo abaixo em inglês, com imagens históricas muito interessantes).

As voluntárias que se perfilaram ao lado de Addams e Starr nessa empreitada cívica foram « formadas » por elas e fizeram parte do grupo das primeiras assistentes sociais da América. Isto quer dizer que as trabalhadoras sociais figuram entre as primeiras profissões modernas ocupadas por mulheres. Pode parecer pouco se visto com os olhos de hoje, mas na época era uma ousadia essa entrada feminina das classes médias no mercado de trabalho. O movimento e luta pelo voto e emancipação das mulheres participaram seguramente do ethos que motivou aquelas jovens a abraçar a questão social como objeto de estudo e de prática profissional.
Addams e demais trabalhadoras socias vinculadas à Hull House tiveram uma presença bastante ativa entre as massas de migrantes, tendo se empenhado coletivamente pela reforma da legislação concernente aos direitos dos trabalhadores e a problemática do trabalho infantil. Tratava-se de um pólo de prática profissional comprometida com um vetor de mudanças sociais e políticas. Como dizem alguns, elas imprimiram uma face feminina ao movimento de construção da democracia americana. Outras assistentes sociais e pesquisadoras importantes do período foram Julia Lathrope, primeira diretora do futuro Departamento Federal da Criança [Federal Children’s Bureau], de 1912 a 1921, e Kelley Florença.

Essa experiência pioneira de trabalho social, enraizada no bairro e na cidade, multiplicou-se em mais 32 estados dos Estados Unidos e foi posteriormente exportada para a França. O aspecto interessante é que se trata de uma experiência pública e laica, de vulto local, nacional e mesmo internacional. Posteriormente, esse organismo social e cultural vai ser integrado, de fato, no seio do Estado.

Uma contribuição particular da Hull House foi a sistematização dos dados  – nacionalidades, condições de vida e de trabalho nas fábricas, trabalho infantil -, referentes àquela população que chegava aos Estados Unidos. Essa base de dados subsidiou a realização de uma série de pesquisas e mais que isso forneceu os alicerces do que será mais tarde a Escola de Chicago,  consagrado centro de pesquisa especializado em Sociologia.  A Hull House, fundada por Jane Addams, foi tombada e hoje faz parte do patrimônio histórico de Chicago. 

O dinamismo dessa assistente social vai se estender ainda a frentes internacionalistas, no caso: a luta contra a guerra. O seu mérito pessoal e profissional vai ser reconhecido de inúmeras maneiras, mas, sem dúvida, o mais importante foi a atribuição, em 1931, do Prêmio Nobel da Paz.


ASSISTENTE SOCIAL FEMINISTA E PACIFICISTA: JANE ADDAMS
                                                                      
reconhecida como uma das pessoas mais influentes do seu tempo

(Jane Addams, EUA, 1860-1935)


Instituiu a ação social pública em Chicago nos EUA. Trabalhou com educação de adultos e assistência às crianças em bairro de imigrantes europeus. No contexto da emergência das primeiras ondas de lutas pela emancipação das mulheres, J. Adams fortaleceu essa iniciativa profissionalizando assistentes sociais (social workers).  Com formação em sociologia e também em filosofia, essa pioneira do S. Social norte-americano ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1931. Foi presidente da Liga Internacional das Mulheres pela Paz e Liberdade de 1915 a 1935.





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Mione Sales – é assistente social, doutora em Sociologia (USP) e professora do Depto de Políticas Sociais (FSS/Uerj). Contato: mioneecia@hotmail.com

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