quarta-feira, 6 de abril de 2011

Editoria Web@Tecno

A comunicação é para todos; é direito de todos.
Universalizar os serviços de radiodifusão comunitária pode ser um passo largo nesta direção.


                                                                            Fonte: Google



Nelma Espíndola*  


A frase “Democratizar a palavra para democratizar a sociedade!, inscrita na charge do artigo Prossegue a luta pela democratização da comunicação, publicado na Editoria BM&QS em 14 de fevereiro de 2011, expressa a síntese dessa luta que vem se construindo ao longo dos anos contra a concentração de propriedade dos meios de comunicação em nosso país, nas mãos de poucos.

Conforme a Intervozes naquele mesmo artigo, essa posse dos meios de comunicação no Brasil “é mais concentrada que nos países inquestionavelmente vistos como liberais, como os Estados Unidos ou Inglaterra”.

Essa afirmativa é ratificada por um estudo feito pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura [Unesco] em parceria com a Fundação Ford, sobre a regulação da radiodifusão [rádios e TV ] no Brasil, lançado no último dia 17 de março de 2011. A Unesco sugere mudanças na regulação da comunicação no país, a partir da comparação com outros 10 países.  Três dos principais especialistas em comunicação no mundo, Toby Mendel, Eve Salomon e Andrew Puddephatt, fizeram as pesquisas e indicam uma “defasagem na regulamentação brasileira.” Segundo o representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny, a “legislação de comunicação é muito antiga e não se alia aos princípios da Constituição”.

O estudo tem como objetivo contribuir com o debate sobre o papel do setor de comunicações para o fortalecimento da democracia, propondo a reflexão sobre aspectos importantes para a efetivação do “direto à informação” e a “liberdade de expressão”, garantias sine qua non para a garantia de outros direitos.

Dentre alguns pontos polêmicos abordados, está a sugestão das cotas de conteúdo: uma de 50% de produção nacional, uma de 10% na programação destinada à produção independente e uma cota de transmissão mínima de 10%  de conteúdo local. Há ainda a defesa da criação de uma entidade reguladora independente para o setor da comunicação, especialmente no tocante à outorga de concessões de radiodifusão. O argumento que respalda essa afirmativa, segundo Vincent, é que sendo o  Congresso Nacional uma instância política, não lhe cabe o papel de órgão regulador de concessões, pois “ele está sujeito a conflitos de interesses”.

Segundo Elvira Lobato, da Folha de SP, em 17-03-2011, a reação da ABERT [Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão ] foi de crítica a este relatório. Luiz Roberto Antonik, diretor-geral da entidade, vê o poder conferido ao Congresso de aprovar as concessões como “uma conquista” e de que o relatório tem “viés ideológico”.   Segundo entrevista, a entidade recebeu com “ceticismo” a proposta de criação das cotas acima citadas, porque alega que as pequenas emissoras terão dificuldades para cumprir as exigências.

Sobre o controle de conteúdo, a UNESCO sugere como prática a construção da autorregulação, como melhor forma de evitar censura, segundo Andrew Puddephatt, um dos autores do estudo. Isto implica que as empresas e os profissionais de comunicação devem criar instâncias de regulação independentes do Estado.

Outro ponto em destaque é a necessidade de formulação de regras mais sólidas sobre a concentração de propriedade, inclusive de propriedade privada. A UNESCO aponta que estas regras “precisam se concentrar no controle de fato exercido pelos indivíduos, e não na composição corporativa das emissoras”. Segundo Guilherme  Canela, coordenador de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil, “Os indivíduos tem o direito de saber a que pluralidade estão tendo acesso”.

O estudo não deixou de dar relevo à importância das radiodifusoras públicas e comunitárias, pois elas podem garantir a pluralidade e a democracia na comunicação.  A UNESCO sugere novas regras para as rádios comunitárias, trazendo à tona a rediscussão, por exemplo, da proibição de veiculação de publicidade. Ressalta, no entanto, Vincent que não há fórmula pronta para a regulamentação da mídia e que o mais importante é que se faça um debate “aberto” na sociedade, porque que a “questão da mídia”, pela sua importância, não pode ficar “apenas nas mãos de especialistas da mídia”, conclui.

Aproveitando esse viés da importância das radiodifusoras públicas e comunitárias, apontadas por este estudo da Organização, debruço-me sobre a radiodifusão comunitária. No entanto, o mote principal foi a divulgação do Plano Nacional de Outorgas para Radiodifusão Comunitária [PNO], lançado pelo MiniCom, também, no último dia 17 de março de 2011, em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado.


Rádios Comunitárias, um novo olhar: a universalização do serviço

                                                           Fonte: Google



« Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e
expressão ; este direito inclui a liberdade de,
sem Interferêcia, ter opiniões e de procurar, receber
e transmitir informações e ideias por quaisquer
meios e independentemente de fronteiras ».

(Art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos –
O direito à liberdade de expressão)



Sou apaixonada pelo rádio e tenho outra blog-amiga, Claudia Correia, da Caleidoscópio Baiano, que experimenta o mesmo sentimento. Em janeiro, ela nos trouxe um artigo muito interessante – Mídia e Direitos Humanos –, onde nos traz a Cartilha Digital “Direitos Humanos na Mídia Comunitária – a cidadania vivida no nosso dia a dia”, uma produção da UNESCO e Oboré – Projetos e Especiais em Comunicações e Arte (2009). Essa descoberta foi acrescentada ao seu material didático para as suas aulas de Ética Profissional, na Escola de Serviço Social da UCSal.

Li essa cartilha e é, de fato, um grande achado, pois dá suporte aos interessados em rádios comunitárias e, como ela mesma ressalta, qualifica comunicadores e assistentes sociais, que começam a se dar conta da importância da comunicação e a se debruçar sobre ela na atual conjuntura.

O rádio é o veículo com maior cobertura no país e, mesmo com a internet, vem conquistando espaços significativos. Há diversas razões para esse alcance: ele está presente em nosso cotidiano, em nossa casa, na ida para o trabalho. Seu acesso é imediato. Não há exigência de que se saiba ler, para acessá-lo, ou seja, seu público tem como característica pessoas que ouvem e falam mais do que escrevem, o que revela e, em certa medida, acentua a nossa cultura oral. O próprio equipamento é de aquisição mais barata, em geral, pequeno. É um veículo rápido, imediato, onde as entrevistas das pessoas são feitas, na maioria das vezes, ao vivo, o que implica na instantaneidade das respostas. O rádio não recorre muito, a priori, ao recurso do que se chama de edição, que a TV usa e abusa com bastante frequência. É através das “edições” que se exerce o controle e onde se dá a manipulação, muitas vezes, dos fatos. 

Constituem-se ainda em espaços públicos de mediação e divulgação de direitos e deveres sociais, de cultura, educação, mesmo que façam parte de setor privado, com função pública.

No Brasil são cerca de 10 mil emissoras de rádio (2004 ), sendo 55% delas concentradas nas mãos de políticos, 20% são comandadas por entidades religiosas, outras 20% pertencem a grupos empresariais, e as demais são estatais .

Depois destas pinceladas de paixão sobre o rádio, quero trazer alguns pontos que penso são relevantes, mediante a proposta feita pelo Ministério das Comunicações de “universalização” do serviço de rádios comunitárias, através do Plano Nacional de Outorgas para Radiodifusão Cominitária (PNO). Antes, porém, falarei em linhas gerais sobre o que são rádios comunitárias.


Você sabe o que é uma rádio comunitária?

Define-se como uma emissora de rádio FM operada em baixa potência (25 watts) e cobertura restrita (um raio de 1 Km a partir da antena transmissora).

As rádios comunitárias tiveram seu serviço criado pela Lei nº 9.612, de 1998 e, sua regulamentação feita pelo Decreto 2.615 do mesmo ano.

A exploração desse serviço só pode ser feita por associações e fundações comunitárias sem fins lucrativos, com sede na localidade de sua prestação. Ela tem por finalidade contribuir para o desenvolvimento local, com a “divulgação de eventos culturais e sociais, acontecimentos comunitários e de utilidade pública”. É o espaço que o cidadão tem para o exercício de sua cidadania e convívio comunitário.

Cada cidadão tem este espaço disponível, para, além de receber informações, se comunicar, através de pesquisas, de produção e distribuição de assuntos que tenham domínio. Isto implica na oportunidade de contar sobre a realidade em que vive, os problemas que a ela e aos seus vizinhos são comuns e as possibilidades que interessam à comunidade, seja na qualidade de vida, seja na divulgação de ideias, manifestações culturais, artísticas e folclóricas, tradições e hábitos sociais, pertinentes ao centros urbanos ou nas áreas rurais (bairro, vilas, distritos e povoados).

Para o seu funcionamento, é necessária a montagem de um estúdio com equipamentos básicos, tais como: um toca-disco de vinil e um de CD, um gravador-reprodutor de fitas cassete (tape-deck), uma mesa de áudio e um microfone. Estes equipamentos são conectados a um transmissor que deverá ser homologado pela ANATEL e este conectado a uma antena, não superior a 30m de altura.

A programação das rádios comunitárias é aberta à comunidade, sem discriminação de raça, credo, sexo, convicções político-partidárias e condições socioeconômicas. Há o viés de valorização dos valores éticos e sociais da família e da democratização do espaço de participação – com igualdade de direitos para todos os que estejam envolvidos –, no caso de assuntos polêmicos.

Há, segundo a legislação, a obrigatoriedade das rádios comunitárias operarem em cadeia para a retransmissão do programa nacional de rádio pública  “A Voz do Brasil”, que vai ao ar às 19h. A mesma exigência é feita para fins do horário eleitoral gratuito e de pronunciamentos oficiais definidos por lei. No entanto, é vedado que as rádios comunitárias operem em redes com outras emissoras para transmitir sua programação.

Para falar de outorga das concessões das rádios comunitárias, farei um contraponto com as medidas anunciadas pelo ministro Paulo Bernardo, no lançamento do  PNO, pincelando inclusive, algumas modificações feitas na Secretaria de Comunicação Eletrônica, para que haja na atualidade celeridade nos processos de concessões de radiodifusão.


Até o fim de 2012, todas as cidades terão uma rádio comunitária 
 
A meta deste ano é que 85% das cidades do país, por região, tenham pelo menos uma rádio comunitária. Este proposta teve origem, após um levantamento inédito sobre a sua distribuição, feita pela Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério, que através desse mapeamento originou o PNO.

Nestes treze anos de vigência da Lei de Outorga das rádios comunitárias, o MiniCom autorizou, até o momento, o funcionamento de 4.283 emissoras de rádios comunitárias em todo Brasil. Porém, verificou-se que há mais de 2 mil cidades que não têm nenhuma rádio comunitária. Esse número desdobra-se da seguinte forma: em 13 delas, nunca foram lançados avisos de habilitação; outras 1.268 cidades estão sem outorga, apesar de já ter havido avisos anteriores e mais 727 onde ainda há processos em andamento. A meta do governo é de que os 5.565 municípios tenham pelo menos uma rádio comunitária. Para que essa meta seja alcançada, como diretriz apontada pela presidenta Dilma Rousseff, o ministro Paulo Bernardo, está fazendo algumas mudanças no ministério, como a criação de uma coordenação-geral de radiodifusão comunitária dentro da Secretaria de Comunicação Eletrônica. Estas propostas já foram encaminhadas à Presidenta da República para aprovação.




Fonte:  Plano Nacional de Outorgas para Rádiodifusão Comunitária, 17-03-2011.


A Secretaria de Comunicação Eletrônica aponta alguns entraves para a outorga de novas emissoras, além da territorialidade apontada acima: a falta de critérios objetivos para a definição das cidades a serem contempladas nos avisos de habilitação; a ausência de periodicidade definida para avisos de habilitação e a política de prorrogação dos prazos dos avisos (45 + 45 dias), mesmo com o desconhecimento prévio das cidades a serem contempladas com o serviço.

Penso ser uma possibilidade de avanço na história das rádios comunitárias. Uma nova perspectiva, com a possibilidade de que sua importância seja, enquanto meio de produção de comunicação local, reconhecida e elas assumam o seu verdadeiro papel na garantia do direito à informação, difusão do conhecimento e mobilização com que a comunicação é produzida na comunidade.

Mesmo que as chances possam parecer tímidas, é preciso, que haja mobilização popular para que a proposta de universalização, de fato, se efetive, ou seja, que até o fim de 2012 todas as cidades brasileiras tenham a disponibilidade deste serviço. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO) reconhece que essas ações lançadas correspondem a parte das reivindicações das rádios, porém a criação dessas emissoras não concretiza uma universalização do serviço, pois segundo o seu levantamento existem cerca de 30 mil localidades no Brasil que “são excluídas dos meios de comunicação e que têm o direito de requerem o seu canal.”

A meta do PNO começa com o atendimento das 13 cidades que nunca foram contempladas e das 1.268 sem outorgas e a inclusão, no plano, de outras cidades das 727, cujos processos de análise resultem  em indeferimento do pedido de outorga.

Uma das principais ações desse plano, para o alcance da cobertura proposta, é a divulgação com antecedência de um calendário com as datas dos futuros avisos de habilitação e as localidades que serão contempladas em cada um deles. A ideia é, segundo Octávio Pieranti, Assessor Especial da Secretaria Executiva, que os interessados - associações e fundações comunitárias sem fins lucrativos - em se habilitarem para o serviço organizem a documentação necessária, dentro do prazo estabelecido. Essa prática evitaria atrasos e prorrogações dos avisos do edital de habilitação. Os calendários serão sempre anunciados no início de cada ano.

O cronograma de avisos para 2011 terão seus avisos abertos na 1ª quinzena de abril e abrangerão 431 cidades, escolhidas de acordo com alguns critérios eletivos: avanço da universalização de forma concomitante em todas as macrorregiões do país (85% de cidades em todas elas); atendimento das já incluídas no Plano Básico de Frequências (e pedido para que a ANATEL inclua as demais); prioridade para as cidades onde entidades já manifestaram interesse na exploração do serviço; atendimento às mais populosas e preservação da diversidade de estados em um mesmo aviso
.


 

Fonte:  Plano Nacional de Outorgas para Rádiodifusão Comunitária, 17-03-2011.


A sustentabilidade econômica

Uma das fragilidades das rádios comunitárias, desde que surgiram, é a questão de sua sustentabilidade econômica. Segundo a Lei 9.612/98, que proíbe que elas veiculem publicidade, com exceção de patrocínios na forma de apoios culturais, as rádios comunitárias não podem funcionar dentro de uma perspectiva de lucratividade. Todavia, não há tampouco a previsão, mediante a lei, para a garantia da sustentabilidade desses veículos. Uma das reivindicações da ABRAÇO é de que haja mudança na lei, garantindo que as rádios possam receber publicidade institucional dos governos. Porém, esta não é a visão do Governo Federal que entende que não pode anunciar nas rádios comunitárias. Esta é uma questão que está sendo discutida pelo setor jurídico da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.


A fiscalização sem discriminação

Não há proposta de mudança na fiscalização das rádios comunitárias, pelo Governo Federal, embora esta seja uma das principais reclamações dos prestadores do serviço. O ministro Paulo Bernardo deixou no ar que poderá haver alguma mudança nesse aspecto, pois pensa que a ANATEL “deve ser mais justa nesse sentido”, através de um plano de fiscalização, onde as rádios comerciais sejam fiscalizadas com o mesmo rigor das rádios comunitárias. 

Há a intenção do governo de fazer uma revisão na norma para rádio comunitária, de acordo com o marco regulatório que está sendo preparado pelo Executivo. Caso isto não ocorra, vê-se a possibilidade de buscá-la através de projetos de lei que tramitam na Câmara. Uma das mudanças futuras seria o aumento das potências dessas emissoras.

No atual plano, o governo se dispôs a dar assistência técnica para as rádios comunitárias. Há a programação de ciclos de palestras, oficinas e cursos, numa perspectiva de capacitação dos radiodifusores comunitários, em parceria com emissoras públicas e outras entidades. Uma das propostas é o fomento de desenvolvimento de software livre, com disponibilidade gratuita para download, cujo conteúdo estaria voltado para a gestão das emissoras de rádios comunitárias (parte administrativa e organização da programação).


Como se habilitar 

Segundo a Secretaria de Comunicação Eletrônica, “o aviso de habilitação é o meio utilizado para tornar público o chamamento das entidades que desejem executar o serviço de radiodifusão comunitária em determinadas localidades. Permite a participação tanto das entidades que já manifestaram interesse em operar o serviço quanto daqueles que ainda não enviaram ao ministério o formulário de demonstração de interesse, disponível no site.

Após a publicação do aviso, as entidades têm um prazo para apresentar a documentação solicitada pelo ministério. A seleção é feita a partir da análise desses documentos. Depois de publicada a portaria de autorização (em Diário Oficial), a entidade deve aguardar a emissão de uma licença de funcionamento para iniciar o serviço.”

Hoje, o tempo de licenciamento passou de 03 para 10 anos (Lei nº 10.597/02), renováveis por iguais períodos, se cumpridas as exigências legais vigentes.


A esperança nas “ondas do ar”

 
« Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão! »
PAULO FREIRE.


O movimento das rádios comunitárias segundo os estudiosos se caracteriza diferente de outros setores de movimentos sociais, pois a construção de identidade dentro desse movimento, convergem diretamente para a construção da organização desses comunicadores populares.  Nas rádios comunitárias há espaço para todos, incluindo diferentes projetos e motivações, independente de ideologias.  

Mesmo não sendo a ocasião de se tratar da história das rádios comunitárias é precioso dar alguns destaques à ela. As rádios comunitárias continuam surgindo no mundo, cada vez mais, seja nos locais do interior de cada país, seja nos grandes centros urbanos. Elas existem pela possibilidade de democratização da liberdade de expressão.

Quando se fala em esperança « nas ondas do ar » é indiscutível não se lembrar das décadas de 1970, quando surgiram as rádios livres. Em princípio, elas não tinham a preocupação com o amparo legal para funcionar e nem em estabelecer articulação de causas populares. A sua importância é o de confronto com o coronelismo  eletrônico, ou seja, a posse e utilização política das estações de rádio e televisão por grupos e familiares de elites políticas e religiosas. Como as comunitárias, sem outorgas, são chamadas de « rádios piratas ».

Um marco dessa época foi a Rádio Paranóica, de Vitória – ES, inaugurada em outubro de 1970, por  dois adolescentes, um de 16 anos e seu irmão de 15 anos, que usava o seguinte  bordão “Paranóica, a única que entra em cadeia com a Agência Nacional”.   Rádio tocava música e fazia críticas a figuras da cidade. Como resultado, no auge da ditadura militar o adolescente mais novo foi preso sob acusação de subversivo.   A emissora foi interditada, voltando a funcionar em 1983, se mantendo no ar até a metade dos anos 90, com o nome de Rádio Sempre Livre.  Em Sorocaba, no  interior de São Paulo foi a Rádio Spectro, montada por outro adolescente de 14 anos, em 1976. Sua transmissão era de duas horas por dia. Foi também interditada, mas essa experiência estimulou novas rádios livres em outros  locais.

As rádios eram uma iniciativa de jovens inspirados no aspecto de rebeldia aos padrões das FMs oficiais, sem muito um compromisso ou mesmo grandes pretensões ou causa; eram jovens entusiastas amantes da arte radiofônica.

Já na década de 1980, com a ditadura militar mostrando enfraquecimento, começam a surgir emissoras críticas à centralização dos meios de comunicação.
Em 1985, surge a Rádio Xilik, inaugurada em julho de 1985 no Campus da PUC/SP por alunos de Ciências Sociais. Uma experiência que se transformou em símbolo desse movimento pela democratização da comunicação inspirada em experiências européias de rádios piratas, com foco nas da Itália e da França.

A década de 1980, cenário das rádios de alto-falantes, as chamadas “rádio-cometa”, “rádio-poste” ou “rádio-popular”. Um exemplo dela é a Rádio Saara, no Centro do Rio de Janeiro, onde está localizado um dos centros de comércio popular da cidade.

Outros exemplos de rádios de caráter comunitário surgiram, tais como: a Rádio Sabiá do Recife (PE), Rádio Popular de Santa Amélia de Curitiba (SC), Rádio Calabar de Salvador (BA), Rádio Popular de Heliópolis e Rádio Povo (SP) e Rádio Favela de Belo Horizonte (MG), entre outras. Na cidade do Rio de Janeiro, entre tantas outras, temos a Rádio Rocinha, na comunidade de mesmo nome, a Rádio Santa Marta, no morro Dona Marta em Botafogo. Sua transmissão é feita para todo o bairro.

As rádios comunitárias conforme o conceito que lhe é dado, funcionando mesmo sem outorga ou não operando conforme o projeto original, têm a o caráter mais democrátivo, quando abre as suas portas estimulando a participação da população, do local onde estão inseridas. Este será um canal articulado para as exigências de direitos e mudanças relativos às políticas públicas sociais que não estejam sendo cumpridas e, ou atendidas, em todas as esferas de governo, com maior ênfase ao nível municipal. Mas as rádios comunitárias são espaços utilizados para promoverem as artes e culturas locais, espaço onde há uma inserção das mulheres comunicadoras populares, soltando a voz !

Finalizando volto a citar a Rádio Favela FM de Belo Horizonte (MG), uma rádio reconhecida internacionalmente por sua atuação comunitaria. Hoje ela é ouvida por toda a cidade. Sua instalação se deu a partir da iniciativa de quatro jovens, na década de 1980. Teve seu início com programação musical, tomando depois amplitude para as questões sociais locais. Já recebeu da ONU dois prêmios por suas contribuição ao tráfico de drogas, à violência e ao racismo. Nela ouve-se de tudo, desde debates sobre direitros humanos ou abuso sexual, até a críticas ao governo e histórias infantis.

A sugestão do filme brasileiro abaixo indicada « Uma onda no ar », de Helvécio Ratton, 2002 é a história da Rádio Favela FM; vale à pena assisti-lo.

Na última segunda-feira (04) o ministério das Comunicações divulgou o úlitmo relatório com a relação de rádio comunitárias autorizadas a funcionar nos estados brasileiros por meio de Portaria Ministerial, publicada no Diário Oficial da União. Quem estiver interessando em conhecê-las é so clicar aqui.

Este relatorio possui mais de duzentas páginas. Em relação ao estado do Rio de Janeiro, observa-se a liberação de rádios comunitárias na Baixada Fluminense. Por exemplo, em Duque de Caxias, São João de Meriti; na região serrana em Itaipava – Petropolis, Nova Friburgo e Teresópolis;  no município do Rio de Janeiro, no bairro de Vista Alegre; em Campos dos Goytacazes, no Farol de São Thomé. Estes são alguns dos exemplos.

Embora, no início de sua disseminação, fossem criminalizadas como “rádios piratas”, as rádios livres e comunitárias desempenham um papel importante na efetivação da palavra de todos aqueles que compõem as massas populares.

 


Fontes: Observatório do Direito à Comunicação; Ministério das Comunicações; Observatório da Imprensa; UNESCO.
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* Nelma Espíndola –  é assistente social, webmaster e colaboradora do Blog Mídia e Questão Social.

[Colaboração Mione Sales]

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LINKS / DICAS


- Plano Nacional de Outorgas da Radiodifusão Comunitária; 


- Artigo “Prossegue a luta pela democratização da comunicação” – Equipe Mídia e Questão Social;


-  Artigo “Mídia e Direito Humano” – Editoria Caleidoscópio Baiano;

http://midiaequestaosocial.blogspot.com/2011/01/editoria-caleidoscopio-baiano.html

 -  Radcom – O que é uma rádio comunitária? – MiniCom –Secretaria de Serviços Eletrônicos;


- Para fazer RÁDIO COMUNITÁRIA com « C » maiúsculo – Ilza Girardi e Rodrigo Jacobus – Porto Alegre : Revolução das idéias, 2009. Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


- Unesco - « O ambiente regulatório para a radiodifusão: uma pesquisa para os autores-chave brasileiros - Toby Mendel e Eve Salomon » - Série Debates CI – nº 7 Fevereiro de 2011;


http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001916/191622POR.pdf

- Unesco - « Liberdade de Expressão e Regulação da Radiodifusão – Toby Mendel e Eve Salomon » -  Série Debates CI – nº 08 Fevereiro de 2011;

http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001916/191623por.pdf

- Unesco - «A importância da autorregulação da mídia para defesa da liberdade de expressão » – Andrew  Puddephatt - Série Debates CI – nº 9 Fevereiro de 2011.

http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001916/191624por.pdf 

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FILME

- “Uma onda no ar” - A história da Rádio Favela, em Belo Horizonte. A história de quatro jovens que acreditaram nessa possibilidade de expressão.

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